segunda-feira, 28 de setembro de 2009
As gruas que sustentam a imensidão
terça-feira, 22 de setembro de 2009
Eu o escrevi em 2004, há cinco anos, mas espero que gostem. Ele fala um pouco sobre a finitude da vida e de como o modo como a vivemos parece retornar a nós no momento de nossa morte.
Matheus de Mesquita Silveira
Falaram-me que hoje iria chover e eu não acreditei. Agora estou aqui, ensopado e com frio, perdido no labirinto de prédios do centro da cidade. Consigo ouvir o melancólico assovio do vento que passa por entre os arranha-céus. A neblina não me deixa ver nada do que está ao meu redor. As trevas, rasgadas pela fraca luz que sai dos postes, esconde segredos que me angustiam somente ao pensar, e nenhum outro som consigo ouvir além dos frios passos que dou em direção ao desconhecido.
Acendo um cigarro, na esperança de que a fumaça que emana dos meus pulmões possa me camuflar entre as densas brumas. A cada passo que dou tenho a sensação de que pode ser o meu último, mas o mais estranho é que essa sensação me traz um alívio. Saber que poderei ter meu fim na próxima esquina me deixa mais vivo, faz meu coração bater mais forte. Sentir o cheiro da morte que espreita na escuridão me faz delirar, sonhar com o dia em que me libertarei de todas as amarras e de todas as culpas.
Sigo caminhando, deixando o vento cortar minha pele como uma pequena navalha. Vou me retalhando aos poucos, deixando que o vento leve o aroma do sangue até meus supostos predadores. Cansei de ser o caçador, não mais desejo dominar ou retalhar, minha sede assassina se esvaiu junto com as últimas gotas de sangue do amor que eu matei. Sigo, ainda que trêmulo, ao encontro do meu algoz. Caminho como a presa que inocentemente invade o território inimigo, sem ter a consciência dos perigos que a aguardam.
Trilhei muitas vezes esse caminho e fiz muitas vítimas nessas trevas. Bebi o sangue quente das mais inocentes criaturas e saciei minha sede das mais variadas formas. Mas o estranho é que nunca me senti tão bem como agora. O medo do fim e a agonia da suposta dor que irei sentir me completam, me tornam um. O suor frio que escorre em meu rosto, a chuva que molha minhas roupas e o sangue que forma meu rastro, tudo isso me completa, como que se o delírio e a lucidez dessem as mãos e dançassem uma valsa não tocada por muito tempo.
Apresso os meus passos e sinto o meu coração bater mais forte. O som dos trovões se mescla às batidas em meu peito numa harmonia catatônica, como um forte bate-estaca. Sou só em meio às trevas, como que um sussurro da lua no meio da noite infinda, como a última vela que não se apaga. Mas essa chama quer ser apagada, ela chegou ao auge, a plenitude e não deseja sentir sua decadência. Ela anseia o fim antes que tudo desmorone, embora saiba que isso não mais possível.
A chuva parou e o vento não mais pode ser sentido. Os estragos estão feitos e as cartas estão postas, não há tempo para mais nada. Na escuridão surge a silhueta de uma bela mulher, refletindo a fraca luz da lua que passa por entre as nuvens que se dissipam. Sim, lá está ela, minha executora, a dama destinada e me dar o último beijo. Aquela cujos profetas disseram que aliviaria toda a agonia, que cicatrizaria todas as feridas. A amazona cujas presas não morrem, mas se libertam.
domingo, 13 de setembro de 2009
O conteúdo que preenche o pacote da ciência
Devido a alguns acontecimentos das últimas semanas me lembrei da cadeira de Filosofia da Ciência, mais especificamente de Thomas Kuhn e Paul Feyerabend, pensadores que propõem uma visão ampla de ciência, considerando principalmente os aspectos subjetivos da teorização dos fenômenos. Pela minha experiência, julgo que todo bom filósofo, bem como cientístas de todas as aréas, deviam estudar esses dois autores, que fazem uma interpretação atual da atividade científica. Reproduzo aqui minha leitura de algumas idéias apresentadas no livro Contra o Método, de Feyerabend.

Segundo Feyerabend, a história do desenvolvimento humano é muito mais complexa do que podemos precisar e não há um procedimento que seja adequado em todas as ocasiões, ou seja, não há padrão a seguir que de conta do processo histórico. A história da ciência é feita de idéias e interpretações de fatos, sendo que estas podem ser conflitantes e gerar problemas inesperados, erros, etc; ou seja, a idéia de um método com princípios firmes, imutáveis e obrigatórios não está de acordo com o que a história nos mostra. Por isso, um cientista deve ter mente ágil, e para tanto é preciso saber lidar com os aspectos sociais, e não puramente metodológicos. Não há regra metodológica que não tenha sido violada ao longo da história da ciência; e as violações não são acidentes ou conseqüência de pouco conhecimento. Pelo contrário, são elas que permitem o progresso.
Com base na idéia tradicional de ciência como processo estável e cumulativo, a educação simplifica a ciência por meio do treinamento dos futuros pesquisadores, condicionando suas práticas dentro de um olhar determinado, inibindo intuições, para manter a estabilidade e confiança depositada na atividade científica. Separe-se a ciência do resto do mundo (o mesmo ocorre com a Filosofia).
Feyerabend indica dois motivos para não aceitarmos a tradição aqui apresentada como única possibilidade de conhecimento científico: o primeiro, de que o mundo é em sua grande parte por nós desconhecidos, e, partir com prescrições pode funcionar com teorias, mas não com o desconhecido. O segundo motivo é o de que esta educação científica fere atitudes humanistas, ao rejeitar as diferenças e assim, podar as individualidades.
A idéia de razão criticada por Feyerabend é a de que a argumentação e os princípios lógicos sejam suficientes para o progresso científico. A adesão a novos padrões é também fruto de um esforço racional; mas se um argumento não exerce nenhuma força psicológica, não influência as pessoas. Portanto, compõem a complexidade da ciência aspectos como: interesses, paixões, propaganda, forças e técnicas de lavagem cerebral.
Com base nas premissas acima descritas, Feyerabend diz que o único princípio que permanece em todos os aspectos e estágios do desenvolvimento humano é o de que tudo vale. O anarquismo epistemológico consiste em considerar as contra-regras, opostas às regras tradicionalmente aceitas. Por exemplo, a contra-regra da indução é a contra-indução, que nos aconselha a elaborar teorias inconsistentes com teorias ou fatos bem estabelecidos. A abertura para concepções alternativas é chamada de metodologia pluralista; e é assim que forçamos o aperfeiçoamento da teoria a ser elaborada. Não temos acesso direto ao mundo; prova disso é o fato de errarmos em nossas afirmações sobre ele. Nosso acesso ao mundo é mediado por pressupostos que moldam o nosso olhar. Somente nos damos conta do erro por conta do contraste; e é possibilitar o contraste, por meio de pressupostos alternativos, a característica de um anarquismo epistemológico.
As contra-regras são assim denominadas exatamente porque são modos de proceder opostos as regras aceitas e até mesmo de teorias estabelecidas. Feyerabend explica as contra-regras mediante a condição de consistência, que é a exigência de que as hipóteses novas sejam consistentes com as teorias já aceitas. Entretanto, uma teoria não pode ser critério de validação de outra, pois a única diferença entre uma teoria aceita e uma teoria nova é a idade e familiaridade. Outro princípio utilizado pelos cientistas é o princípio da autonomia. Segundo este pressuposto, o conteúdo empírico de uma teoria está disponível independente das teorias alternativas; ou seja, considerar os fatos é mais importante e vantajoso do que as teorias alternativas. A crítica é que existem fatos que não são revelados com a teoria em questão, mas sim com o recurso a teorias alternativas.
Encontramos um exemplo efetivo das contra-regras no procedimento de Copérnico, que reacendeu a noção pitagórica do movimento da Terra; noção ridicularizada e jogada na lata de lixo. Outro exemplo é o da medicina tradicional chinesa, que foi subjugada pela ciência ocidental. Foi por meio de atitudes políticas que a medicina tradicional foi reincorporada na prática chinesa. Neste ponto, Feyerabend frisa que quando há partes da ciência que se tornam rígidas e intolerantes, a mudança vem de fora, como por meio da política, por exemplo. A volta da medicina tradicional na China mostrou que a medicina moderna não consegue abarcar todos os fenômenos, como se deseja. A individualidade, imaginação e cultura do indivíduo na sua relação com o mundo é essencial para a metodologia pluralista.
As interpretações naturais são processos mentais que ocorrem junto aos sentidos; são pressupostos a priori da ciência. Parece impossível separar as interpretações das impressões e quanto mais acostumados estamos com uma linguagem, conseguiremos expressar de maneira mais precisa este tipo de interpretação. A observação não é constituída somente de sensações, pois na medida em que percebemos as coisas, já interpretamos e enunciamos. Então, para analisarmos o conteúdo das interpretações naturais, precisamos de uma medida externa de comparação, pois de outro modo, não conseguimos sair da interpretação natural, e, por conseguinte, falaremos sempre a partir dela. É mediante as teorias refutadas pelas observações que descobrimos os “ingredientes ideológicos” do nosso conhecimento; logo, as teorias refutadas nos servem como medida externa de comparação.
Fale mais sobre isso...
FEYERABEND, P.