
“Tudo o que faço é parte de algo que não faço, pois sou parte do mundo”
O título é provocativo, afinal, partir o olhar de lugar nenhum é o mesmo que ficar sem chão. Entretanto, parece-me improvável levar a noção de “lugar nenhum” a sério na prática, pois partir de algum lugar é o que possibilita a ação.
Enfim, comecei a leitura do livro de Thomas Nagel, Visão a Partir de Lugar Nenhum (The View From Nowhere) que será discutido no grupo de pesquisa Quíron. No capítulo que trata da liberdade, Nagel provoca a discussão em torno da relação subjetividade e objetividade, mais especificamente, na ação moral pelo viés externo. Ele toca no conflito determinismo versus liberdade, tema corrente em visões naturalistas do ser humano.
Descrever a ação sobre o ponto de vista externo significa entendê-la dentro da causalidade da natureza. Ou seja, o ser humano é um ser natural, tanto quanto um gato, uma cambacica ou uma lagartixa: suas ações são determinadas porque fazem parte do mundo.
Essa concepção leva ao ceticismo, pois perde-se a concepção absoluta de liberdade, e com ela a responsabilidade. O conflito entre a visão interna do agente (de que age com liberdade, sendo autônomo e, portanto, responsável perante os outros pelos seus atos) e a visão externa (de que suas ações foram tais por causa e efeito no mundo) está em jogo.
Denomina-se compatibilismo a tentativa de resolver o conflito sem a necessidade de escolher entre uma das visões. Nagel, porém, alerta para o fato de que as explicações nesse sentido não eliminam o sentimento de impotência ocasionado quando realizado o distanciamento. De fora, somos animais dentro da cadeia natural; de dentro temos a crença e o desejo de autonomia.
Autônomo é quem tem age por escolhas, sem influência das circunstâncias. As escolhas, por sua vez, são feitas por razões. Mas toda ação tem razões, que podem ser boas ou ruins. Como afirma Nagel: “As más razões também são razões” (p.192). Portanto, encontramos razões tanto para a escolha A quanto para a B. Há razões tanto para aceitar quanto para recusar um emprego: a pergunta é por que a pessoa aceitou o emprego pelas boas razões e não o recusou pelas más razões em aceitá-lo. A questão é entender o que motiva determinada ação.
O fim da liberdade acarreta também o fim da responsabilidade. Quando fazemos um juízo de responsabilidade sobre um agente, nos colocamos em seu lugar para avaliar as alternativas que dispunha. Adquirimos assim uma compreensão interna da situação. Mais uma vez, quando nos projetamos objetivamente e vemos o sujeito como parte integrante do mundo (alguém que está dentro do mundo, não que apenas o observa de modo independente) o ponto de vista interno carece de sentido.
Nagel parte de algum lugar, sua argumentação é a do dualismo mente-cérebro, que defende que os processos mentais não podem ser reduzidos ao físico, ou seja, ao cérebro propriamente dito. No blog Filosofia da Mente no Brasil, João Teixeira, ao tratar dessa mesma obra, ilustra bem a posição dualista:
"Como poderíamos, por exemplo, descrever o gosto do sal para alguém que nunca o experimentou? Certamente qualquer descrição seria redundante e, no máximo, o que poderíamos dizer é que o gosto do sal é “salgado”. A descrição aproximada do gosto do sal pressupõe, como pano de fundo, uma experiência comum partilhada por duas pessoas, sem o que ele permaneceria inescrutável – tão inescrutável quanto as experiências subjetivas do morcego." (http://www.filosofiadamente.org/content/view/7/12/)
O conflito entre liberdade e necessidade é tanto existencial como acadêmico. Uma vez que paramos para pensar sobre isso nossas “visões” são abaladas. Da mesma forma, este é um problema que a perspectiva naturalista deve enfrentar. Como simpática a esta perspectiva é alegre (sim, por que não?) que inicio a leitura de Nagel, mas agora somente com essas palavras a oferecer.
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