A partir da leitura dos textos de
Stegmüller e Nunes, junto a outras leituras realizadas ao longo do curso de
Filosofia, bem como a minha perspectiva como pessoa, posso dizer que os
problemas da filosofia hoje refletem os resultados de acontecimentos históricos
ocorridos no início e metade do séc. XX, como as segundas guerras mundiais e o
advento da tecnologia. Os filósofos de hoje analisam as conseqüências sociais e
científicas de acontecimentos tão poderosos, tentando tecer assim o que é
importante para uma humanidade que hoje se encontra entre a total falta de
regras (o tudo vale) e conhecimentos e leis cada vez mais rigorosos. Neste ponto entra o destaque de Nunes em
relação às duas espécies de contemporaneidade: uma estática e horizontal e
outra dinâmica e verbal. Temos assim a sincronia e diacronia de tempos; alguns problemas
de nossos dias são contemporâneos aos do início do séc. XX, mas algumas
abordagens e perspectivas em relação a eles são diferentes.
Uma característica importante é que
do mesmo modo que a ciência deixou de se concentrar na filosofia durante a
modernidade, fragmentando-se e especializando-se em diversas áreas, a filosofia
segue o mesmo movimento, recebendo contornos distintos nos seus problemas e
modos de abordagem: perde-se até mesmo uma definição concreta do que seja
filosofia. As suas correntes podem dialogar com as ciências naturais e exatas
(problema do valor e estrutura do conhecimento científico), com as ciências
humanas (existência social e individual; a validade da cultura, da sociedade e
da história). A filosofia pode também ser um diálogo do sujeito consigo mesmo,
a partir da questão da consciência do sujeito nas suas relações com o mundo, na
sua existência. Esses temas recebem
tratamentos distintos, mas também aparecem interligados, como na bioética, por
exemplo, que caracteriza-se como uma área de investigação sobre problemas
éticos que surgem na sociedade atual, como o uso de nanotecnologia ou de
células tronco; assim como dá novos olhares a problemas que já existem a mais
tempo, como a eutanásia ou o aborto. Na bioética entrelaçam-se problemas de
ciência e tecnologia, ética e existência. É interessante que não são só
filósofos que fazem bioética, mas também cientistas, religiosos, juristas,
grupos de minorias e médicos. Com isso, os comitês de bioética são compostos de
forma multidisciplinar.
Esse para mim é o destaque para os
problemas da filosofia hoje. É na bioética que se encontram analisados uma
parcela importante dos problemas da sociedade. Porém, a filosofia não se reduz
a isso. Hoje há releituras do racionalismo com auxílio da neurociência,
investigações sobre os seres humanos pela psicologia evolucionista,
conhecimento da linguagem humana com as lógicas alternativas e a pragmática; as
relações entre ser sujeito e ser indivíduo em uma sociedade pós “11 de
setembro”, marcada pelo excesso de consumo e virtualidade das relações (as
análises de uma sociedade hiper moderna), a política que surge na era da
cibernética e da cada vez mais tênue linha entre vida privada e legislação.
Ao contrário do que afirma Stegmüller, de que
seria desejável “reservar a palavra [filosofia] para uma atividade de algum
modo rigorosamente definida” (p. 14), acredito que o estudo e a atividade
filosófica só têm a ganhar em revitalização, campo e formas de abordagem, mesmo
que muitos profissionais neguem que o que seu “vizinho de porta” faça seja de
fato filosofia: enquanto houver pessoas interessadas na filosofia, dedicando
seu tempo e seus esforços a um problema e transformando-os/relendo-os como
questões de seu tempo, sempre haverá espaço na filosofia; e, é claro, a tão
saudável transformação de ideias.
*texto escrito para a cadeira de Filosofia Contemporânea