segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Barrichello e o herói mundano

Vou abrir um pequeno espaço aqui para falar de um assunto que normalmente não é tratado no blog, mas que julgo ser digno de nota.
Ontem, dia 23 de agosto de 2009, um destes desvios do destino parece ter sido corrigido. Numa manhã de domingo, como tantas outras, Rubens Barrichello conquistou a centésima vitória de um piloto brasileiro na Formula-1. Uma honra mais do que merecida para alguém como ele. O piloto, que estreou no já distante ano de 1993, que teve colocada em seus ombros uma das maiores responsabilidades já vistas, a de levar adiante o “legado de Senna”, que se envolveu em episódios controversos como o da Áustria em 2002, teve seu pequeno momento de glória.
Não há como não se emocionar ao ver que todas as equipes, mesmo as rivais, aplaudiram Barrichello de pé ao chegar aos boxes. O experiente piloto parecia uma criança, pulando, dançando e beijando o pódio, numa vitória que já deveria ter vindo, mas demorou quase cinco anos para voltar a acontecer. Numa época em que pilotos são, com o perdão do trocadilho, fabricados pelas fábricas de automóveis, em que poucos que expressam sua opinião e personalidade, como da Matta, Montoya, Villeneuve e Bourdais (ironicamente, todos fora da F1) são rotulados como “chorões” e chutados para fora do circo, é com alegria que vejo um piloto que se emociona com uma vitória, que pula e chora.
Barrichello é alguém que não tem medo de mostrar que, por debaixo de um capacete, está um ser humano com falhas e virtudes, mas, principalmente, como uma verdadeira ilustração do pensamento de David Hume, um homem inundado de sentimentos e que tira destes toda sua motivação.
Ayrton Senna, o herói nacional, obteve três títulos, mas nunca foi meu ídolo. Barrichello o é. Talvez seja eu, talvez seja o fato de ter tido parte de minha infância e adolescência na década de 90. Porém, talvez, seja pelo fato de que acabou a era dos heróis supra-humanos, e agora se ergue o tempo daqueles que aceitam sua responsabilidade, que colocam a cara a tapa, que lutam e muitas vezes perdem. Um tempo daqueles que não tem condições de ser super-homens, mas que levam sua natureza humana ao limite de ser simplesmente humano, com tudo o que isso acarreta.
Tudo isso é o que Rubens Barrichello representa. Alguém que luta e, algumas vezes ganha e outras vezes perde. Um ser humano que nem sempre consegue cumprir suas promessas, mas está sempre disposto a lutar para cumpri-las. Barrichello é mais “homem comum” que outros ídolos e nos coloca, como num espelho, diante de nossas próprias fraquezas. Ayrton Senna não fazia isso, sua imagem era a de um super-homem perfeito e, convenhamos, não é difícil encantar-se com a perfeição, mesmo que apenas de aparência. No entanto, esse não é Barrichello, que, assim como os heróis de Allan Moore, tem suas fraquezas e limitações, seus dilemas morais e seus pecados, mas, ao mesmo tempo, aceitam o desafio de superar suas próprias falhas, mesmo que, por vezes, falhem.
Como dizia Marcelo Camelo, “olha lá, quem sempre quer vitória e perde a glória de chorar”. Felizmente, hoje as lágrimas foram de alegria. Que muitas outras venham.

4 comentários:

  1. Adorei teu texto Matheus.

    "...seja pelo fato de que acabou a era dos heróis supra-humanos, e agora se ergue o tempo daqueles que aceitam sua responsabilidade, que colocam a cara a tapa, que lutam e muitas vezes perdem. Um tempo daqueles que não tem condições de ser super-homens, mas que levam sua natureza humana ao limite de ser simplesmente humano, com tudo o que isso acarreta."

    Ninguém é super homem, exatamente porque se existisse algum, não seria homem (não falo em gêneros, hehe). Senna teve sua importância, o problema é o que fizeram dele, assim como o que fizeram do Rubinho. Nossa crença de que fulono foi um herói decorre justamente de que não tiveram tempo de nos decepcionar.

    A decepção nos coloca de volta a realidade: essas pessoas não tem nada de especial, elas são como nós. Elas são nosso "espejos", por isso talvez é mais fácil admirar aqueles que refletem apenas nossos desejos.

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  2. Concordo.

    O problema é que Senna passava essa imagem e a mídia ajudava. Isso, num momento em que se buscavam heróis, que a "grande paixão nacional", a seleção brasileira de futebol, ia de mal a pior, somando ao fato de que ainda havia uma certa inocência, com a esperança de uma nova república, ajudou a criar um mito.

    A acesso a informação era muito diferente e ainda se acreditava num salvador. Não se sabia dos vícios que todos (não havia internet, por exemplo), inclusive nosssos ídolos, tem. O povo queria um herói e encontrou em Senna, um piloto extraordinário, um chão fértil.

    Em Mônaco, enquanto Piquet "pegava" a princesa e chegava atrasado no treino, Ayrton Senna, anos depois, disse que viu Deus na pista. Esse elemente místico que ele passava ajudou com que um povo extremamente religioso o visse como alguém mais do que somente humano.

    Ele, de fato, elevou a moral de um Brasil carente, levando a bandeira na mão após as corridas e coisas do tipo. O problema é que pilotos são só pilotos e não salvadores.

    Barrichello, ao contrário, é um piloto de grandes virtudes e vícios. Fala demais, promete e não cumpre. No entanto, o que pesou contra foi o fato de não brilhar como Senna. A pressão, os acidentes e as más escolhas fizeram de sua carreira algo completamente diferente.

    Em toda a sociedade brasileira, busca-se heróis. Tivemos Raul Seixas, Cazuza e Renato Russo na música, Ayrton Senna no automobilismo, Pelé no futebol e Lula na política. Todos foram arrasa-quarteirões e, para o povo, ingratos são aqueles que não se tornam os novos "sennas", "lulas", "cazuzas", etc.

    O povo brasileiro não gosta de F1, gosta de ver os brasileiros ganharem. Barrichello, ao contrário, gosta de F1. Sem dúvida, ele se orgulha de ser brasileiro, isso fica claro, mas expões suas falhas (ou as tem expostas) e, claro, cometeu o grave erro de ser o Barrichello, quando todos queriam que ele fosse o Senna.

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  3. Assino embaixo martha! Vou passar teu texto para o Dudu! Tenho certeza que ele concorda também. Cris

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  4. Isso Cris, boa idéia! Só que o texto é do Matheus, não sou muito entendida de fórmula 1, hehe. beijo

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