
Engraçado eu me motivar a ler um livro com esse nome, mas há dois culpados: eu gosto da autora e gostei do filme. Mercedes é uma mulher de meia idade que ainda não achou seu "eu"; e voltando-se a si, parte em sua busca, usando a boa e velha verbalização. É uma jornada pessoal, existencial.
O que me trouxe identificação foi a sua descoberta> quis tanto encontrar-se que se viu nos outros, na convivência que dá graça a vida. Pelas diferenças, assumimo-nos, pelas igualdades, nos fortificamos. Nas risadas compartilhamos e nas confissões nos ligamos. Deve ser por isso que a saudade é tão devastadora; uma parte do que nos faz ser, não está.
Como se trata de alguém expondo e construindo ideias, Mercedes(ou Martha) fala sobre medos, família, sexo, sociedade... Enfim, dos montes de pensamentos que povoam nossas mentes. A seguir algumas partes deliciosas:
“Sou tantas que mal consigo me distinguir. Sou estrategista, batalhadora, porém, traída pela comoção. Num piscar de olhos fico terna, delicada. Acho que sou promíscua, doutor Lopes. São muitas mulheres numa só, e alguns homens também. Prepare-se para uma terapia de grupo”.
“Alguém um dia disse que o homem está condenado a ser livre, acho que foi Sartre. Tem sido dilacerante para mim aceitar que a vida sem laços é a única liberdade possível. E se não for? E se Sartre estiver redondamente enganado, e a liberdade for, ao contrário, a mescla com outras vidas, e se a liberdade for o autoconhecimento gerado pela convivência, não pela reclusão, e se tudo o que eu li e vivi até hoje foi desperdiçado por essa minha busca idiota por uma verdade soberana?”
“Queria poder dizer a essa mulher de pernas cruzadas e costas eretas que se ela fosse realmente minha amiga estaria estirada no sofá, com as pernas em cima da mesinha de centro e pedindo que eu colocasse um disco. Que se ela fizesse parte do meu mundo não estaria essa echarpe rosa-bebê nem teria exagerado tanto no perfume, e muito menos falaria o português correto.”
“Eu vejo esse pessoal com piercing na língua e na sobrancelha e me espanto com a facilidade com que eles expressão seu inconformismo, mas é um conformismo padronizado, com fotos publicadas em revista de moda. Fica datado, vira registro de época, e o que tanto os inconformou acaba sendo deixado em segundo plano. Se eu pintasse meu cabelo de rosa-choque eu me sentiria a mais careta das mortais. Eu sou rosa-choque por dentro.”
[...] A menina tem jeito, precisa apenas deixar de se levar a sério. Tem 20 anos apenas. O Renato, 21. A modernidade os alcançará lá adiante, quando não estiverem mais atrás disso.”
“Lopes, que liberdade boa essa de se desresponsabilizar pelo próprio personagem[...] A liberdade de que falo é aquela de tentar ser aquilo que ainda não tentamos”
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