quinta-feira, 30 de julho de 2009

Parabéns Mário!


Da Felicidade

"Quantas vezes a gente, em busca da ventura,
procede tal e qual o avozinho infeliz:
Em vão, por toda parte, os óculos procura,
Tendo-os na ponta do nariz"

Quantas vezes já te pegaste pensando, será que sou feliz? Parece que sempre tem alguma coisa errada, algo que dê motivo de reclamação, algo que falta para agarrarmos de vez a felicidade. Quanto mais tempo dedicamos a formular a receita perfeita, mais nos afastamos da experiência que a possibilita. Afinal, o raciocínio estimula a alma, mas não a toca. Seria algo do tipo "do que não se pode falar, deve-se calar", pensando na própria felicidade como impossível de ser dita, formulada e pensada. A felicidade é vivida, lembrada, mostrada.

Amanhã serei mais feliz. Será? Para isso, viva o hoje. Valorize o que há em seu entorno e as lembranças de outrora, dos tempos de infância, das matraquices adolescentes. Quero um amanhã belo, assim como o é o presente. Preservar é uma palavra tão bonita, pois é preciso notar o que gostamos para podermos o preservar; do mesmo modo, o que nos faz mal de nada adianta preservar. E aí vem outra palavra mágica: mudança.

Preservar o que nos faz bem, mudar o que não está legal. Mas afinal, nem tudo é possível ou bom perpetuar; é difícil repetir momentos, por isso viver o instante é preservar a felicidade dentro de si. É deixá-la ir e voltar, na simplicidade do cotidiano, na leveza de se ver no mundo. Devemos, portanto, preservar a mudança.

Adoro os poeminhas do Quintana, mais do que dos poemãos. Vai mais um então, pequeninho só
de tamanho, não de reflexão:

Das idéias

Qualquer idéia que te agrade,
Por isso mesmo é tua,
O autor nada mais fez do que vestir a verdade
Que dentro em ti se achava inteiramente nua...

Aos meus poucos leitores, meu único comentador e sei lá quantos espiões, deixo o convite de compartilhar aqui e onde mais achar abrigo, algum poema do Quintana, em homenagem aos seus 103 anos.

terça-feira, 28 de julho de 2009

Edgar Allan Poe e a Filosofia da Composição



O poema O Corvo, de Edgar Allan Poe, conta a história de um homem que, em determinada hora da madrugada, recebe a visita de um corvo. Este acaba sendo o catalisador para que todas as angústias, entre elas, a perda da mulher amada, venham à tona. O que acaba seguindo é uma desconcertante busca por respostas, uma reflexão sobre a morte e a fragilidade da vida. No presente texto, entretanto, não me debruçarei sobre divagações ou qualquer outro tipo de delírio do espírito que o poema possa provocar. Ao contrário, procurarei falar do que, ao meu ver, é onde está a verdadeira genialidade de Allan Poe, que é a composição do poema.

Em sua obra A Filosofia da Composição, Allan Poe faz uma forte crítica ao “artista”, ou melhor, àqueles que acreditam que toda obra de arte é algo visceral, que não necessita de refinamento, ou ainda, que deve ser fruto, única e exclusivamente, de uma inspiração criadora de natureza quase mística. Sobre a composição do poema, o autor diz que é meu desígnio tornar manifesto que nenhum ponto de sua composição se refere ao acaso ou à intuição, que o trabalho caminhou, passo a passo, até completar-se, com a precisão e a seqüência rígida de um problema matemático.

Contra esses pretensos “artistas”, Allan Poe dá uma verdadeira aula de composição, uma demonstração de que toda abra de arte com qualidade necessita de trabalho e dedicação, e nenhum poema, ou poeta, que tenha a pretensão de ser imortal se auto-realizará da noite para o dia.

Primeiramente, segundo Allan Poe, deve-se ter um cuidado com relação a extensão do poema. Ele diz que a extensão jamais deverá interferir na unidade do poema e que este deve, obrigatoriamente, elevar o espírito do leitor. Para isso, deve-se levar em consideração que todas as emoções intensas são, no ser humano, breves, posto que o nosso aparelho psíquico não suporta emoções de grande intensidade por muito tempo. Portanto, para emocionar, o poema deve ser breve, pois, além de não sobrecarregar o leitor, ele também mantém sua unidade e totalidade.

Em sua teoria estética, o autor diz que o prazer mais intenso e puro só pode ser encontrado ao contemplarmos o belo e, portanto, este tem que ser o efeito produzido pelo poema. A inovação de Allan Poe está em colocar a beleza como um efeito, e não como uma qualidade. Isso faz com que ela não mais se refira a inteligência, mas ao sentimento como algo refinado . Para ele, a Beleza é a única província divina do poema, posto que é uma regra da arte os efeitos devem derivar de causas diretas e os objetivos, alcançados pelos meios mais adaptados. A verdade, por sua vez, necessita de uma precisão e a paixão de uma certa familiaridade, entretanto, a beleza configura-se como a elevação agradável do espírito. Allan Poe ainda diz que a verdade e a paixão devem ser harmonizadas em submissão à beleza, visto que ela é a essência e a atmosfera do poema.

O terceiro aspecto a ser levado em consideração na construção de um poema é o seu tom. Toda beleza, de qualq
uer espécie, provoca, numa pessoa sensível, alguma reação. A experiência, por sua vez, nos mostra que o sentimento de tristeza tende a provocar lágrimas. Para o autor a melancolia é... o mais legítimo de todos os tons poéticos, isso, aliado ao fato de que, para ele, a forma mais bela de tristeza é a melancolia, nos dá o tom que o poema deverá ter para emocionar o seu leitor.

O quarto ponto a ser trabalhado é também um dos mais essenciais, é a definição do eixo do poema. Este deve servir c
omo o ponto chave da poesia, onde toda a estrutura deve girar. O refrão é o mais empregado e comum eixo da poesia e, segundo Allan Poe, não há motivo para não usá-lo. Uma vez definido que o eixo do poema será o refrão, é preciso definir sua natureza. Todo bom refrão depende, tanto na idéia quanto na sonoridade, da força da monotonia para causar uma impressão marcante. A força dessa monotonia encontra-se nas sutilezas. Allan Poe acredita que essa força está em manter o estribilho, mas sempre buscando uma variação na idéia. Segundo ele, em proporção à brevidade da sentença estaria, naturalmente, a facilidade da variação. Isso, imediatamente me levou a uma só palavra como o melhor refrão.
Allan Poe ainda diz que essa palavra deve ser sonora e suscetível de uma ênfase prolongada para manter sua força. Na língua inglesa a letra “o” é considerada a vogal mais sonora e a consoante “r” pode ser aproveitada de diversas maneiras. Isso tudo nos leva a palavra “nervermore” como o refrão ideal. Uma vez definida a natureza do refrão é preciso encontrar um pretexto para que ele seja repetido diversas vezes. Perceba-se que a principal dificuldade é a de conciliar a monotonia da repetição com o exercício da razão. A solução encontrada pelo autor é a de utilizar uma criatura não racional. É interessante notar como “never” (nunca), quando escrita ao contrário, lembra “raven” (corvo), isso, somado ao fato da palavra “nevermore” lembrar o grasno de um corvo, nos dá o corvo como o animal que deveria proferir o refrão, visto que ele também estava em harmonia com o tom que Allan Poe queria dar ao poema.


O quinto elemento a ser trabalhado diz respeito ao tema que a poesia deverá versar. O tema mais melancólico, segundo o autor, é a morte. Ele diz que ela encontra-se ainda mais aliada com a beleza e a melancolia quando é retratada como a morte de uma bela mulher e, a forma mais poética de falar de uma morte dessa natureza é através da boca do amante que ficou despojado deste amor.




O local onde a história do poema deverá se passar também deve ser levada em consideração, pois é fundamental para que se mantenha o tom sombrio e melancólico previamente pretendido. O local mais apropriado para se ajustar a este tom é o quarto do amante, posto que é um local sagrado pela recordação da amante que o freqüentara. É interessante notar que, no poema, o quarto aparece ricamente mobiliado, fazendo uma alusão a Beleza como a única e verdadeira tese poética. Note-se, também, que o corvo, entrando pela janela do quarto, da um tom casual, conferindo um certo realismo ao poema. A “noite tempestuosa” também fornece o motivo para o qual o corvo entrasse no quarto, ainda contrastando-se com a serenidade que reinava anteriormente no mesmo. Esse contraste dá ao poema, através do realismo, um ar fantástico, que se aproxima do caricato, sendo um dos pontos de originalidade do poema.

Uma vez definida a composição do poema, o autor parte para o estudo de sua montagem. Partindo da variação do poema, Allan Poe diz que a primeira pergunta feita pelo amante ao corvo deve ser simples, sendo que a pergunta subseqüente deve ser menos comum, continuando assim no decorrer das perguntas. Sobre isso, Allan Poe diz que:

[...] o amante, arrancado de sua displicência primitiva pelo caráter melancólico da própria palavra, pela sua freqüente repetição e pela consideração da sinistra reputação da ave que a pronunciava, fosse afinal excitado à superstição e loucamente fizesse perguntas cuja resposta lhe interessavam apaixonadamente ao coração, fazendo-as num misto de superstição e daquela espécie de desespero que se deleita na própria tortura ... Não porque acredita no tom profético ou demoníaco da ave ... Mas porque experimentaria um frenético prazer em organizar suas perguntas para receber do esperado “nevermore” a mais deliciosa, porque a mais intolerável, das tristezas.

O último ponto a ser pensado é em relação a ordem de escrita do poema. Segundo o autor a primeira estrofe a ser escrita é a última, pois, após escrever a estrofe derradeira, onde dar-se-á o clímax do poema, é possível delinear a estrutura das demais estrofes. Allan Poe defende o fato de que o poema deve começar a ser escrito pelo fim, pois caso uma estrofe escrita posteriormente venha a ultrapassar a densidade da última parte do poema, é possível enfraquecê-la propositalmente, como o intuito de que ela não de sobressaia a parte principal e final da poesia.

Concluindo, poderia dizer que há, no poema, uma certa soma de sugestividade, embora indefinida, de sentido. Ao meu ver, este é o ponto que dá maior riqueza ao poema, pois essa sugestividade penetra em toda a narrativa que a precede, havendo uma passagem do realismo para o simbolismo. Isso faz com que o leitor, ao ler a poesia, entre em contato consigo mesmo, pois consegue se inserir dentro do poema, fazendo, das experiências da personagem, suas próprias vivências.

domingo, 26 de julho de 2009

Coleccion Vecinal




Os moradores do bairro onda a Galeria Metropolitana está localizada, em Santiago do Chile, não a visitavam, eram apenas passantes despercebidos. De fato, isso acontece em quase todas galerias de arte, onde a proximidade acaba por ser somente geográfica.
Como mudar essa realidade? As pessoas apreciam, compram e fazem arte, mas mantém distância do que é exposto como tal. A ideia de Gonzalo Pedraza foi a seguinte: ir de casa em casa e pedir a cada morador alguma obra exposta em sua casa, qualquer uma. Foram reunidas 280 obras, organizadas com inspiração na Árvore da Vida de Darwin, ou seja, na classificação por semelhança. Assim, três categorias foram criadas: retratos, natureza morte e paisagens.

O interessante é que, no dia da inauguração todos foram conferir o resultado, admirar a obra que têm em sua casa expostas em uma galeria. Essa ideia de aproximação e apropriação artística é super prática e tentadora. Por que não fazer o mesmo nas escolas ou empresas? Essa é uma experiência de aproximação da arte e valorização de si muito importante. E, de quebra, nos leva a conhecer os interesses artísticos dos vizinhos, colegas, amigos...

A Colección Vecinal tem curadoria de Gonzalo Pedraza, que por ocasião de 7ª Bienal do Mercosul irá aplicar o projeto em Caxias do Sul.

Fale mais sobre isso:

http://www.galeriametropolitana.org/

domingo, 19 de julho de 2009

Iberê, vim te vê!


“Sou um andante. Carrego comigo o fardo do meu passado. Minha bagagem são os meus sonhos. Como meus ciclistas, cruzo desertos e busco horizontes que recuam e se apagam nas brumas da incerteza.” Iberê Camargo

A primeira vez na sede da Fundação Iberê Camargo deixa um gosto de quero mais, de que o retorno não tarde a chegar. Ali o visitante se depara com obras de Iberê, constantemente renovadas nas exposições; com obras de outros artistas contemporâneos, além do próprio prédio, assinado por Álvaro Sizo, uma espiral de muitas janelas.

Janelas que deixam a luz de fora iluminar quase todo interior. O convite é irresistível: adentrar na obra de Sizo, conhecer Iberê e descobrir novos olhares para o velho Guaíba. Cada olhar forma uma nova obra.

Vale a pena conferir as pinceladas de Iberê e assistir ao vídeo (um pedacinho aqui) que mostra seu processo de trabalho. Por fugir do padrão comum e desvelar particularidades, fica o gostinho de que a muito ainda o que experimentar ali.


Deu uma vontade de andar de bicicleta...

Até dia 30 de agosto é possível assistir ao filme-instalação Dédale, de Pierre Coulibeuf, que apresenta o universo de Iberê com inspiração na mitologia Grega, trazendo Ariadne e Teseu para o labirinto de Minotauro, representando aqui o prédio da Fundação. São filmes e fotografias em que os personagens interagem com Porto Alegre, o prédio e as obras.

Quer mais? É de graça.


Fale mais sobre isso...

Site da Fundação Iberê Camargo: http://www.iberecamargo.org.br/

Dédale: http://bravonline.abril.com.br/conteudo/multimidia/filme-dedole-482163.shtml

quinta-feira, 16 de julho de 2009

Perspectivas sobre a organização do ensino pelo professor

“o professor, ou professora, é uma pessoa que deseja esta responsabilidade de criar um espaço de convivência, este domínio de aceitação recíproca que se configura no momento em que surge o professor em relação com seus alunos, e se produz uma dinâmica na qual vão mudando juntos.”

Humberto Maturana

Quando observamos ou imaginamos uma sala de aula, concebemos como figuras fundamentais professor e aluno. E, permeando a relação destes, temos os conteúdos práticos e teóricos. Basta fecharmos os olhos e lembrarmo-nos do nosso tempo de escola que veremos a boa e velha sala de aula, com suas classes, quadro negro, cadernos e livros. Lá na frente o professor, responsável por fazer desses objetos algo significativo na vida dos alunos. Ao menos é essa visão que tenho quando lembro de meus tempos de aluna de Ensino Fundamental e Médio. Hoje, cursando estudos universitários, sinto que os objetos permanecem os mesmos, mas espera-se mais compromisso e interesse por parte dos alunos, devido ao fato da escolha pelo curso e por esse tipo de estudo.

A relação professor-aluno é aspecto fundamental para a aprendizagem, pois como protagonistas do processo de aprendizagem, e como seres humanos, motivados por sentimentos e sociabilidade, a relação que estabelecem decide o interesse dos alunos pela aula, ou seja, pela sua própria experiência de aprendizagem. Que o aspecto afetivo é importante para essa relação, sabemos desde que entramos na escola, quando o professor preferido era aquele que nos fazia sentir-nos seguros e nos encorajava a lidar com os variados problemas com que um aluno se depara na escola; enfim, aquele professor que nos fazia sentir bem.

Entretanto, a afetividade não é o único laço da relação professor-aluno. Cunha (1998) coloca que o posicionamento do professor em relação à sua área de conhecimento, bem como à sua prática, é decisivo ao modo que os alunos o percebem. Ou seja, os alunos podem até gostar do professor que é apenas “bonzinho”, mas admiram como um bom professor aquele que estimula o pensamento, é aberto a indagações e deixa transparecer o gosto que tem pelo que trabalha, valorizando assim os alunos e o seu trabalho.

Outro aspecto que permeia a relação professor-aluno é o da ideologia dominante na sociedade e na escola. A escola, como instituição social, é determinada pela visão social que se tem dela. Sua função, de que classe social vem seus alunos, a importância do professor dentro dela e outros fatores modelam o modo como a escola funciona. O professor, dentro de determinada escola, de determinada área de conhecimento e de determinado compromisso social, muitas vezes, foca-se em um aspecto, enquanto, na realidade, todos constituem sua prática. Por fim, Cunha ressalta que é importante o professor ter sempre em mente a sua trajetória de vida, o que contextualiza sua pessoa. A prática do professor não é algo que pode ser separado do resto de suas experiências; elas constituem sua postura e prática.

Os três aspectos que Cunha coloca como principais norteadores da relação professor-aluno definem o planejamento de aula — e, por que não, a opção ou não de realizá-lo. O planejamento não é, portanto, nem acabado, nem neutro. Nesse sentido, Lopes (1990) afirma que a partir da noção de que o professor não é neutro na sua prática, ou seja, quando aceita que suas ações têm determinadas conseqüências sociais, sua prática pode voltar-se para envolvimento e mudanças. Quando isso acontece, o aluno percebe um professor que não é indiferente, e aquela sala de aula passa a significar algo na vida dos que a utilizam. David Hume, no séc. XVII, a partir da observação dos costumes humanos, já frisava a importância do sentimento para a motivação. Afirma ele que um mesmo evento, descrito de diferentes formas, provocam distintos resultados. Se os fatos são descritos friamente, convencem em veracidade, mas não despertam a paixão. Já, quando descritos com figuras e emoção, provocam simpatia (no sentido de sincronia de sentimentos) em cada coração humano.

Acredito que o professor desenvolve a sua relação com os alunos na medida em que a vivencia, mas ter noção da realidade social e escolar e do que o constitui como ser humano e como profissional otimizam essa experiência. Vale aqui o que Larrosa fala sobre a experiência:

A experiência, a possibilidade de que algo nos aconteça ou nos toque, requer um gesto de interrupção, um gesto que é quase impossível nos tempos que correm: requer parar para escutar, pensar mais devagar [...] suspender a opinião, suspender o juízo, suspender a vontade, suspender o automatismo da ação (2002, p. 24)

Mas, afinal, porque falo da relação professor-aluno em um texto cujo título remete à organização do ensino? A relação que professor e aluno estabelecem é definida pelos aspectos apresentados, mas define, por sua vez, o formato que as aulas tomarão. Pois não é somente o sujeito professor que define uma aula, mas também os alunos, que mudam a cada turma e a cada ano — e durante o ano. A organização do ensino se faz, portanto, sob múltiplos circunstâncias, entre elas, a relação professor-aluno.

O professor, como coloquei no início do texto, é peça fundamental da educação escolar. No entanto, transformá-lo (ou transformar-se) em um superman é um erro comum, pois ele é parte e não totalidade do processo. É importante idealizar e buscar mudanças efetivas, assim como, fazer alguma diferença no mundo. Mas pegar toda a responsabilidade para si é ingenuidade. O professor se enfraquece e desanima; seus ideais de início de carreira são esquecidos. Por isso os autores que estudamos ao longo de uma licenciatura insistem nos aspectos sociais, institucionais, legislativos e teóricos da Educação. Eles estão aí para organizar a sociedade, e, se a pessoa souber usá-los, começa a mudar o fluxo da corrente.


Fale mais sobre isso!

CUNHA, Maria Isabel da. 1998. A relação professor-aluno. In: Repensando a didática. 11. Ed. – Campinas, SP: Papirus.

HUME, David. 2004. Investigações sobre o entendimento humano e sobre os princípios da moral. São Paulo: UNESP.

LARROSA, Jorge. 2002. Notas sobre a experiência e o saber de experiência. In: Revista Brasileira de Educação.

LOPES, Antonia Osima.1990. Planejamento do ensino numa perspectiva crítica de educação. In: Repensando a didática. 4. Ed. – Campinas, SP: Papirus.

terça-feira, 7 de julho de 2009

Alguns comentários acerca da dificuldade de formalizar aspectos da linguagem informal

Desde a sistematização da lógica por Aristóteles até a sua reformulação pelos matemáticos no séc. XX, ela é usada como um instrumento que clarifica argumentos. Um dos âmbitos da lógica é, justamente, analisar argumentos conforme as regras lógicas, na busca por uma linguagem mais precisa. Nesse sentido, a formalização de argumentos da linguagem natural permite a análise de longas cadeias argumentativas, em que inferências não-válidas podem passar despercebidas.

Mas a formalização tem seus limites. Nesses encontram-se, por exemplo, o problema de como lidar com o tempo verbal ou a vaguidade da linguagem informal. As reações aos problemas da formalização de determinados aspectos da linguagem informal são diversas. Susan Haack, em Filosofias das lógicas, enumera sete, a saber:

  1. Delimitação do problema da lógica: os aspectos da linguagem informal que não se aplicam à lógica clássica são excluídos; não são levados em conta na formalização.
  2. Paráfrase nova: adequação da linguagem informal à linguagem formal (ajusta-se a sentença para que possa ser formalizada, mantendo-se, desse modo, o aparato clássico).
  3. Inovação semântica: o aparato clássico ainda é mantido, porém, modifica-se a interpretação dos símbolos.
  4. Lógica ampliada: introdução de novos símbolos.
  5. Lógica restrita (ou lógicas alternativas): mudança e/ou introdução de novos axiomas, por exemplo.
  6. Contestação dos metaconceitos clássicos: inovação no nível dos conceitos metalógicos, por exemplo, o conceito de verdade.
  7. Revisão do âmbito da lógica: proposta de mudança do papel da lógica. Os intuicionistas, por exemplo, consideram a lógica como secundária à matemática, dependente dela.

Para o problema do tempo verbal, Haack descreve a proposta de Quine (inovação semântica) e a de Prior (lógica ampliada). Já para lidar com a vaguidade da linguagem, apresenta a lógica difusa de Zadeh, cuja proposta acarreta na revisão do âmbito da lógica. Para todas as propostas, Haack coloca suas críticas, principalmente para a lógica difusa de Zadeh, em que os ganhos por aceitá-la são duvidosos.

Ao que me parece, as tentativas de Quine e Prior são úteis quando a formalização do tempo verbal é realmente necessária para a análise de um argumento. Já Zadeh trabalha com graus de propriedades e de verdade, mas não dispensa a necessidade de precisão de que grau exatamente se fala, o que demanda muito trabalho de definições; a lógica deixa de ser um instrumento de clarificação. Parece que Zadeh quer alcançar racionalmente os aspectos não racionais da linguagem informal. Esta não é só razão, pois contém antecipações e reduções por parte dos ouvintes e falantes. Justamente por ser uma manifestação humana, não pode ser inteiramente formalizada.

Fale mais sobre isso:

HAACK, S. Filosofia das lógicas. São Paulo: UNESP, 2002.

domingo, 5 de julho de 2009

Palavras soltas... De deseo somos

De deseo somos


La vida, sin nombre, sin memoria, estaba sola. Tenía manos, pero no tenía a quién tocar. Tenía boca, pero no tenía con quién hablar. La vida era una, y siendo una era ninguna.


Entonces el deseo disparó su arco. Y la flecha del deseo partió la vida al medio, y la vida fue dos.
Los dos se encontraron y se rieron. Les daba risa verse, y tocarse también.


Eduardo Galeano, em Espejos


Palavras soltas...



A sociabilidade e o desejo garantiram a sobrevivência de nossa espécie. Nosso interior é tecido durante a vida por meio das nossas experiências; experiências que compartilhamos com outros. Cada um tem sua personalidade, mas ela não seria possível sem o desejo de pertencimento a grupos, sem a convivência com o que nos desperta prazer, sem o outro que é o nosso espelho. Não existe um “eu” puro e imaculado, pois o eu é intersubjetivo, fruto de instintos como o desejo.

Sabemos que a convivência tem seus percalços, mas que também é prazerosa. Galeano, ao iniciar sua história quase universal, reconstrói belamente a importância do outro para a vida.


A propósito, vale citar Darwin, na sua Autobiografia:

"[...] As sensações prazeirosas, por outro lado, podem continuar por muito tempo, sem nenhum efeito depressivo; ao contrário, elas estimulam o sistema inteiro a um aumento da ação. Daí haver sucedido que a maioria ou a totalidade dos seres sensíveis foi desenvolvida, através da seleção natural, de tal maneira que as sensações prazeirosas servem como seus guias habituais [...]" (200, p. 77)

Não é a toa que Galeano notou que Darwin, além de trazer tartarugas de sua viagem pela América, trouxe perguntas, muitas perguntas.

Fale mais sobre isso:

DARWIN, C. Autobiografia. Rio de JaneiroContraponto, 2000.

GALEANO, E. Espejos: una historia casi universal. Buenos Aires: Siglo XXI Editores & Siglo XXI Iberoamericana Editora, 2008.


sexta-feira, 3 de julho de 2009

Saramago intermitente: a morte substantivada

“Viver de morte, morrer de vida” Heráclito

A morte cansou. Assim como o trabalhador que dá duro todos os dias e não é reconhecido, a morte fez greve por tempo indeterminado. Qualquer pessoa com alguma experiência na relação com o mundo sabe que têm certas coisas que só são valorizadas quando deixam de estar. É até paradoxal: uma das possibilidades da morte é ser o fim; e Saramago instiga seu leitor a pensar o que seria a não existência da morte, o fim do fim.

“É um milagre! Neste novo ano ninguém mais morre, Deus até que enfim reconheceu a gloria da humanidade. Vamos festejar, afinal, fomos o país escolhido para a vida eterna.” Essas foram as primeiras reações de um povo embriagado, do qual seu medo mais intenso, fonte de tantos outros, perdeu o sentido.

Mas logo os problemas começaram a aparecer, nas questões praticas de gestão de um país, nas bases dogmáticas da Igreja, nas casas simples, onde as famílias velavam os que na fronteira da morte aguardavam. A vida absoluta logo azedou; a não morte, afinal, não pode ser o sinônimo de vida.


Assim como em Ensaio Sobre a Cegueira, na obra em tela, Saramago descreve a imagem de uma

sociedade sem as bases que a fundamentam: tire as bases e as ações tomam outras formas. Em face às rodas do capitalismo, logo formou-se uma bem organizada empresa para dar conta do perdeu a naturalidade, mas manteve a necessidade. A maphia, organização em questão, tratava de levar as pessoas que pela morte ansiavam ao outro lado da fronteira, onde a greve não havia despontado. O aspecto das mazelas sociais é bem desenvolvido por Saramago, mas é outro aspecto que me despertou mais interesse. A morte toma aqui a forma de uma mulher, e sua greve não foi causada por um melhor salário ou uma almejada promoção; a morte, que não era humana, passava por uma crise existencial.

A crise pela qual passava a morte não era uma crise de consciência por mandar as pessoas para o temível desconhecido ou por tirá-las do mapa. Quando as pessoas passaram a desejá-la, mesmo não sendo suicidas ou deprimidas, ela voltou ao seu trabalho com serviços extras, pois cada pessoas recebia agora um aviso de uma semana de antecedência, para resolver suas pendências terrenas. Outro motivo de caos, fruto de suas intermitências. Mas a morte se sentia sozinha. Que mulher não deseja um ombro para desabafar, ouvir uma voz que acalme o espírito, naqueles dias em que nem a sua voz ela quer ouvir? A morte também sente, e isso ela lembrou quando uma de suas cartas sempre voltava.

Como não conseguia fazer a carta de aviso chegar ao violoncelista da orquestra, a morte resolveu se personificar para entregá-lo pessoalmente. Mas entregar simplesmente pareceu aborrecê-la. “Oras, já que vim até aqui, quero respirar um pouco o ar do lado de cá”. E foi assistindo a orquestra ensaiar e tocar, e observando as idiossincrasias do violoncelista que a morte conheceu a fonte das mais loucas intermitências. A música despertou seus sentidos, a morte também ama; e por amar conheceu a vida.

Saramago traz Wittgenstein para iniciar sua escrita sobre a morte, que não precisa representar somente o fim. Podemos pensar o mundo a partir da morte, e dar sentido a determinadas idéias somente por meio dela. A morte pode então ser possibilidade. Saramago não mostrou apenas uma morte intermitente; sua obra também o é. O leitor pode em um primeiro momento se decepcionar, mas, ao fim e ao cabo, olhando para nossas próprias vidas, compreendemos as intermitências da morte e de Saramago. No outro dia ninguém morreu: a morte morreu de vida.