terça-feira, 28 de julho de 2009

Edgar Allan Poe e a Filosofia da Composição



O poema O Corvo, de Edgar Allan Poe, conta a história de um homem que, em determinada hora da madrugada, recebe a visita de um corvo. Este acaba sendo o catalisador para que todas as angústias, entre elas, a perda da mulher amada, venham à tona. O que acaba seguindo é uma desconcertante busca por respostas, uma reflexão sobre a morte e a fragilidade da vida. No presente texto, entretanto, não me debruçarei sobre divagações ou qualquer outro tipo de delírio do espírito que o poema possa provocar. Ao contrário, procurarei falar do que, ao meu ver, é onde está a verdadeira genialidade de Allan Poe, que é a composição do poema.

Em sua obra A Filosofia da Composição, Allan Poe faz uma forte crítica ao “artista”, ou melhor, àqueles que acreditam que toda obra de arte é algo visceral, que não necessita de refinamento, ou ainda, que deve ser fruto, única e exclusivamente, de uma inspiração criadora de natureza quase mística. Sobre a composição do poema, o autor diz que é meu desígnio tornar manifesto que nenhum ponto de sua composição se refere ao acaso ou à intuição, que o trabalho caminhou, passo a passo, até completar-se, com a precisão e a seqüência rígida de um problema matemático.

Contra esses pretensos “artistas”, Allan Poe dá uma verdadeira aula de composição, uma demonstração de que toda abra de arte com qualidade necessita de trabalho e dedicação, e nenhum poema, ou poeta, que tenha a pretensão de ser imortal se auto-realizará da noite para o dia.

Primeiramente, segundo Allan Poe, deve-se ter um cuidado com relação a extensão do poema. Ele diz que a extensão jamais deverá interferir na unidade do poema e que este deve, obrigatoriamente, elevar o espírito do leitor. Para isso, deve-se levar em consideração que todas as emoções intensas são, no ser humano, breves, posto que o nosso aparelho psíquico não suporta emoções de grande intensidade por muito tempo. Portanto, para emocionar, o poema deve ser breve, pois, além de não sobrecarregar o leitor, ele também mantém sua unidade e totalidade.

Em sua teoria estética, o autor diz que o prazer mais intenso e puro só pode ser encontrado ao contemplarmos o belo e, portanto, este tem que ser o efeito produzido pelo poema. A inovação de Allan Poe está em colocar a beleza como um efeito, e não como uma qualidade. Isso faz com que ela não mais se refira a inteligência, mas ao sentimento como algo refinado . Para ele, a Beleza é a única província divina do poema, posto que é uma regra da arte os efeitos devem derivar de causas diretas e os objetivos, alcançados pelos meios mais adaptados. A verdade, por sua vez, necessita de uma precisão e a paixão de uma certa familiaridade, entretanto, a beleza configura-se como a elevação agradável do espírito. Allan Poe ainda diz que a verdade e a paixão devem ser harmonizadas em submissão à beleza, visto que ela é a essência e a atmosfera do poema.

O terceiro aspecto a ser levado em consideração na construção de um poema é o seu tom. Toda beleza, de qualq
uer espécie, provoca, numa pessoa sensível, alguma reação. A experiência, por sua vez, nos mostra que o sentimento de tristeza tende a provocar lágrimas. Para o autor a melancolia é... o mais legítimo de todos os tons poéticos, isso, aliado ao fato de que, para ele, a forma mais bela de tristeza é a melancolia, nos dá o tom que o poema deverá ter para emocionar o seu leitor.

O quarto ponto a ser trabalhado é também um dos mais essenciais, é a definição do eixo do poema. Este deve servir c
omo o ponto chave da poesia, onde toda a estrutura deve girar. O refrão é o mais empregado e comum eixo da poesia e, segundo Allan Poe, não há motivo para não usá-lo. Uma vez definido que o eixo do poema será o refrão, é preciso definir sua natureza. Todo bom refrão depende, tanto na idéia quanto na sonoridade, da força da monotonia para causar uma impressão marcante. A força dessa monotonia encontra-se nas sutilezas. Allan Poe acredita que essa força está em manter o estribilho, mas sempre buscando uma variação na idéia. Segundo ele, em proporção à brevidade da sentença estaria, naturalmente, a facilidade da variação. Isso, imediatamente me levou a uma só palavra como o melhor refrão.
Allan Poe ainda diz que essa palavra deve ser sonora e suscetível de uma ênfase prolongada para manter sua força. Na língua inglesa a letra “o” é considerada a vogal mais sonora e a consoante “r” pode ser aproveitada de diversas maneiras. Isso tudo nos leva a palavra “nervermore” como o refrão ideal. Uma vez definida a natureza do refrão é preciso encontrar um pretexto para que ele seja repetido diversas vezes. Perceba-se que a principal dificuldade é a de conciliar a monotonia da repetição com o exercício da razão. A solução encontrada pelo autor é a de utilizar uma criatura não racional. É interessante notar como “never” (nunca), quando escrita ao contrário, lembra “raven” (corvo), isso, somado ao fato da palavra “nevermore” lembrar o grasno de um corvo, nos dá o corvo como o animal que deveria proferir o refrão, visto que ele também estava em harmonia com o tom que Allan Poe queria dar ao poema.


O quinto elemento a ser trabalhado diz respeito ao tema que a poesia deverá versar. O tema mais melancólico, segundo o autor, é a morte. Ele diz que ela encontra-se ainda mais aliada com a beleza e a melancolia quando é retratada como a morte de uma bela mulher e, a forma mais poética de falar de uma morte dessa natureza é através da boca do amante que ficou despojado deste amor.




O local onde a história do poema deverá se passar também deve ser levada em consideração, pois é fundamental para que se mantenha o tom sombrio e melancólico previamente pretendido. O local mais apropriado para se ajustar a este tom é o quarto do amante, posto que é um local sagrado pela recordação da amante que o freqüentara. É interessante notar que, no poema, o quarto aparece ricamente mobiliado, fazendo uma alusão a Beleza como a única e verdadeira tese poética. Note-se, também, que o corvo, entrando pela janela do quarto, da um tom casual, conferindo um certo realismo ao poema. A “noite tempestuosa” também fornece o motivo para o qual o corvo entrasse no quarto, ainda contrastando-se com a serenidade que reinava anteriormente no mesmo. Esse contraste dá ao poema, através do realismo, um ar fantástico, que se aproxima do caricato, sendo um dos pontos de originalidade do poema.

Uma vez definida a composição do poema, o autor parte para o estudo de sua montagem. Partindo da variação do poema, Allan Poe diz que a primeira pergunta feita pelo amante ao corvo deve ser simples, sendo que a pergunta subseqüente deve ser menos comum, continuando assim no decorrer das perguntas. Sobre isso, Allan Poe diz que:

[...] o amante, arrancado de sua displicência primitiva pelo caráter melancólico da própria palavra, pela sua freqüente repetição e pela consideração da sinistra reputação da ave que a pronunciava, fosse afinal excitado à superstição e loucamente fizesse perguntas cuja resposta lhe interessavam apaixonadamente ao coração, fazendo-as num misto de superstição e daquela espécie de desespero que se deleita na própria tortura ... Não porque acredita no tom profético ou demoníaco da ave ... Mas porque experimentaria um frenético prazer em organizar suas perguntas para receber do esperado “nevermore” a mais deliciosa, porque a mais intolerável, das tristezas.

O último ponto a ser pensado é em relação a ordem de escrita do poema. Segundo o autor a primeira estrofe a ser escrita é a última, pois, após escrever a estrofe derradeira, onde dar-se-á o clímax do poema, é possível delinear a estrutura das demais estrofes. Allan Poe defende o fato de que o poema deve começar a ser escrito pelo fim, pois caso uma estrofe escrita posteriormente venha a ultrapassar a densidade da última parte do poema, é possível enfraquecê-la propositalmente, como o intuito de que ela não de sobressaia a parte principal e final da poesia.

Concluindo, poderia dizer que há, no poema, uma certa soma de sugestividade, embora indefinida, de sentido. Ao meu ver, este é o ponto que dá maior riqueza ao poema, pois essa sugestividade penetra em toda a narrativa que a precede, havendo uma passagem do realismo para o simbolismo. Isso faz com que o leitor, ao ler a poesia, entre em contato consigo mesmo, pois consegue se inserir dentro do poema, fazendo, das experiências da personagem, suas próprias vivências.

2 comentários:

  1. “Quando ele se alia mais de perto à beleza; a morte, pois, de uma bela mulher é, inquestionavelmente, o mais poético tema do mundo e, igualmente, a boca mais capaz de desenvolver tal tema é a de um amante despojado de seu amor”
    Edgar Alan Poe

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