quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

Pra que complicar?

Por que será tão difícil definir o filosofar? É algo além do comum? Fora da esfera do cotidiano? Mas afinal, há existência além do cotidiano? Digo, é possível sair dele?

Ser extraordinário! EXTRA ORDINÁRIO!
Ser extraordinário é extra ordinário.
Extra! Extra! Lá está a beleza do ordinário.

sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

Kan´t??


Kant tentou escrever aforismos, mas sua mania de explicar tudo transformou-os em subtítulos.





segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Estudo para o tempo

Numa praia ou num deserto,
cavar um buraco (do tamanho que quiser) na areia, sentar-se e esperar, em silêncio, até que o vento o preencha inteiramente.

Cildo Meireles, 1969.

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Muda a foto, muda a noticia.


As fotografias de Mauro Restiffe, que integram o projeto Fotojornalismo, ilustram reportágens publicadas em jornais. Mas elas não são fotos informativas, como normalmente vemos nas páginas dos jornais. Mudou a foto. Mudou a notícia?

O acampamento Farroupilha não é feito somente das muldidões, do chimarrão e do churrasco. Mauro nos mostra a árvore que cresce entre piquetes, o cavalo que espera a liberdade, a pessoa que descanssa... deitada no banco.

A nostalgia das fotos analógicas em preto e branco trazem à reflexão a tensão entre os excessos da sociedade da informação e a visão literária do cotidiano. Afinal, por que quando tratamos do nosso dia a dia, o fazemos com ares de notícia desinteressada? A beleza se encontra onde abrirmos nossos olhos, onde direcionamos nosso olhar: pode ser ao cachorro que cheira o musgo, no avô que corre com seu neto, no cheiro do café da manhã, no frescor das árvores, no muro grafitado, no fruteiro sorridente, no gato que senta à janela.

Existem diferentes modos de ver o mundo e de expressar sobre ele. Para garantir a riqueza da diversidade deve existir também espaço e olhos abertos.

sábado, 7 de novembro de 2009

A morte como vantagem...


"A morte é nossa única certeza".
Essa frase em muitas pessoas desperta temores e dúvidas existenciais do tipo, por que morremos? Se direcionarmos o olhar sobre a morte para o ponto de vista evolutivo, teremos ela como boa amiga.

É por que morremos que somos únicos. Antes da reprodução sexuada, os seres vivos se
propagavam por meio de cópias de si. Podemos dizer então que a reprodução assexuada
imortaliza os seres... Em contrapartida, na reprodução sexuada, o pai e a mãe fornecem partes de si, que se misturam para formar um
novo ser.


A morte, meu amigo, nos deu a diversidade!




segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Uma sociedade de medalhões


O conto de Machado de Assis, intitulado Teoria do Medalhão, apresenta um diálogo entre pai e filho, na noite em que este completa vinte e um anos de idade. Nesta conversa, o pai expressa ao seu filho, por ele ter entrado, agora, em sua maioridade, a grande vontade que tem de vê-lo tornar-se um medalhão, ou seja, um homem tido como importante pela sociedade, grande e ilustre, acima da obscuridade comum. Para isso, durante uma hora, ele prescreve a conduta que o filho terá de tomar para conquistar esse grande feito.

Primeiramente, ele deverá fugir de todas as atividades que o levem a refletir e ter idéias. Seu pai o aconselha, “...reduzes o intelecto, por mais pródigo que seja, à sobriedade, à disciplina, ao equilíbrio comum” (p. 65). Por isso, nos seus discursos, Janjão, o projeto de medalhão, nunca irá acrescentar algo novo ou de sua autoria, mas sim, recorrerá a frases feitas, consagradas ao longo da História, porque “essas fórmulas têm a vantagem de não obrigar os outros a um esforço inútil” (p. 66). Também, ao ler um livro, estudo ou qualquer escrito de mestres e oficiais da ciência, nunca deve questioná-los, para assim, não correr o risco de aflorar novas idéias, além também, de ser um oficio muito tedioso e cansativo.

Um perfeito medalhão sabe como recorrer à publicidade. Fazer seu nome ser notado, através de atos que demonstrem seu grande afeto pelas instituições da sociedade, e depois, lembrado com notícias que, mesmo não tendo nenhuma importância, aludam seu nome, é parte do seu sucesso. Depois disso, ao invés de procurar as ocasiões, elas virão até ele, que será o adjetivo fundamental a elas. Janjão também poderá se apropriar da metafísica, pois, segundo seu pai, além dela apaixonar os partidos e o público, também já está formulada e pronta para o uso. Por fim, é prescrito ao futuro medalhão para ele não se arriscar na filosofia ou mesmo na ironia. O riso transmitido por ele, deve ser somente a chalaça, grande companheira dos que nada tem a dizer.

Pode-se perceber a profunda ironia de Machado de Assis, referindo-se aos “grandes homens” da sociedade, aos medalhões, como pessoas que nada criam, inovam ou arriscam. Inertes em sua arrogância, são eles que têm poder e graça na sociedade. Acredito que o pai recomenda ao filho não pensar, porque, se fosse assim, grandes chances teria ele de despertar do dogmatismo em que se encontra. Uma pessoa assim não sofre porque não pensa, mas acaba por viver a vida de outros. Para o pai de Janjão, ele está definitivamente maior. Kant discordaria. Eu também.

Ser medalhão é muito fácil. Difícil mesmo é ganhar medalhas das quais nos importamos; aquelas que realmente nos tocam. Difícil é saber que medalhas queremos. Como é fácil deixar de ser o que se é, e difícil saber o que se quer.

segunda-feira, 28 de setembro de 2009

As gruas que sustentam a imensidão


Cildo Meireles, Inmensa, aço, 400 x 810 x 445 cm, 1982 - 2002. Foto: Tibério França


O ponto de chegada é imenso, mas só transcende a matéria se tirarmos as escadas ou não olharmos para a base que a sustenta.

terça-feira, 22 de setembro de 2009

Um breve conto, para colocar um pouco de fantasia na semana.

Eu o escrevi em 2004, há cinco anos, mas espero que gostem. Ele fala um pouco sobre a finitude da vida e de como o modo como a vivemos parece retornar a nós no momento de nossa morte.

A última valsa
Matheus de Mesquita Silveira

Falaram-me que hoje iria chover e eu não acreditei. Agora estou aqui, ensopado e com frio, perdido no labirinto de prédios do centro da cidade. Consigo ouvir o melancólico assovio do vento que passa por entre os arranha-céus. A neblina não me deixa ver nada do que está ao meu redor. As trevas, rasgadas pela fraca luz que sai dos postes, esconde segredos que me angustiam somente ao pensar, e nenhum outro som consigo ouvir além dos frios passos que dou em direção ao desconhecido.

Acendo um cigarro, na esperança de que a fumaça que emana dos meus pulmões possa me camuflar entre as densas brumas. A cada passo que dou tenho a sensação de que pode ser o meu último, mas o mais estranho é que essa sensação me traz um alívio. Saber que poderei ter meu fim na próxima esquina me deixa mais vivo, faz meu coração bater mais forte. Sentir o cheiro da morte que espreita na escuridão me faz delirar, sonhar com o dia em que me libertarei de todas as amarras e de todas as culpas.

Sigo caminhando, deixando o vento cortar minha pele como uma pequena navalha. Vou me retalhando aos poucos, deixando que o vento leve o aroma do sangue até meus supostos predadores. Cansei de ser o caçador, não mais desejo dominar ou retalhar, minha sede assassina se esvaiu junto com as últimas gotas de sangue do amor que eu matei. Sigo, ainda que trêmulo, ao encontro do meu algoz. Caminho como a presa que inocentemente invade o território inimigo, sem ter a consciência dos perigos que a aguardam.

Trilhei muitas vezes esse caminho e fiz muitas vítimas nessas trevas. Bebi o sangue quente das mais inocentes criaturas e saciei minha sede das mais variadas formas. Mas o estranho é que nunca me senti tão bem como agora. O medo do fim e a agonia da suposta dor que irei sentir me completam, me tornam um. O suor frio que escorre em meu rosto, a chuva que molha minhas roupas e o sangue que forma meu rastro, tudo isso me completa, como que se o delírio e a lucidez dessem as mãos e dançassem uma valsa não tocada por muito tempo.

Apresso os meus passos e sinto o meu coração bater mais forte. O som dos trovões se mescla às batidas em meu peito numa harmonia catatônica, como um forte bate-estaca. Sou só em meio às trevas, como que um sussurro da lua no meio da noite infinda, como a última vela que não se apaga. Mas essa chama quer ser apagada, ela chegou ao auge, a plenitude e não deseja sentir sua decadência. Ela anseia o fim antes que tudo desmorone, embora saiba que isso não mais possível.

A chuva parou e o vento não mais pode ser sentido. Os estragos estão feitos e as cartas estão postas, não há tempo para mais nada. Na escuridão surge a silhueta de uma bela mulher, refletindo a fraca luz da lua que passa por entre as nuvens que se dissipam. Sim, lá está ela, minha executora, a dama destinada e me dar o último beijo. Aquela cujos profetas disseram que aliviaria toda a agonia, que cicatrizaria todas as feridas. A amazona cujas presas não morrem, mas se libertam.

Eu me aproximo, ofegante, tento alcançá-la com o que me resta de forças. Mas quanto mais perto chego, mais pesado meu corpo fica e mais distorcida sua imagem é. Não resisto e, num último esforço, me jogo aos seus pés. Abro os olhos e sinto o calor dos primeiros raios de sol. Vejo o brilho angustiante do amanhecer e não mais vejo aquela que tanto procurei. Não mais sinto sua presença e, lentamente, sinto o último sopro de vida deixar o meu corpo.

domingo, 13 de setembro de 2009

O conteúdo que preenche o pacote da ciência



Devido a alguns acontecimentos das últimas semanas me lembrei da cadeira de Filosofia da Ciência, mais especificamente de Thomas Kuhn e Paul Feyerabend, pensadores que propõem uma visão ampla de ciência, considerando principalmente os aspectos subjetivos da teorização dos fenômenos. Pela minha experiência, julgo que todo bom filósofo, bem como cientístas de todas as aréas, deviam estudar esses dois autores, que fazem uma interpretação atual da atividade científica. Reproduzo aqui minha leitura de algumas idéias apresentadas no livro Contra o Método, de Feyerabend.



Segundo Feyerabend, a história do desenvolvimento humano é muito mais complexa do que podemos precisar e não há um procedimento que seja adequado em todas as ocasiões, ou seja, não há padrão a seguir que de conta do processo histórico. A história da ciência é feita de idéias e interpretações de fatos, sendo que estas podem ser conflitantes e gerar problemas inesperados, erros, etc; ou seja, a idéia de um método com princípios firmes, imutáveis e obrigatórios não está de acordo com o que a história nos mostra. Por isso, um cientista deve ter mente ágil, e para tanto é preciso saber lidar com os aspectos sociais, e não puramente metodológicos. Não há regra metodológica que não tenha sido violada ao longo da história da ciência; e as violações não são acidentes ou conseqüência de pouco conhecimento. Pelo contrário, são elas que permitem o progresso.

Com base na idéia tradicional de ciência como processo estável e cumulativo, a educação simplifica a ciência por meio do treinamento dos futuros pesquisadores, condicionando suas práticas dentro de um olhar determinado, inibindo intuições, para manter a estabilidade e confiança depositada na atividade científica. Separe-se a ciência do resto do mundo (o mesmo ocorre com a Filosofia).

Feyerabend indica dois motivos para não aceitarmos a tradição aqui apresentada como única possibilidade de conhecimento científico: o primeiro, de que o mundo é em sua grande parte por nós desconhecidos, e, partir com prescrições pode funcionar com teorias, mas não com o desconhecido. O segundo motivo é o de que esta educação científica fere atitudes humanistas, ao rejeitar as diferenças e assim, podar as individualidades.

A idéia de razão criticada por Feyerabend é a de que a argumentação e os princípios lógicos sejam suficientes para o progresso científico. A adesão a novos padrões é também fruto de um esforço racional; mas se um argumento não exerce nenhuma força psicológica, não influência as pessoas. Portanto, compõem a complexidade da ciência aspectos como: interesses, paixões, propaganda, forças e técnicas de lavagem cerebral.

Com base nas premissas acima descritas, Feyerabend diz que o único princípio que permanece em todos os aspectos e estágios do desenvolvimento humano é o de que tudo vale. O anarquismo epistemológico consiste em considerar as contra-regras, opostas às regras tradicionalmente aceitas. Por exemplo, a contra-regra da indução é a contra-indução, que nos aconselha a elaborar teorias inconsistentes com teorias ou fatos bem estabelecidos. A abertura para concepções alternativas é chamada de metodologia pluralista; e é assim que forçamos o aperfeiçoamento da teoria a ser elaborada. Não temos acesso direto ao mundo; prova disso é o fato de errarmos em nossas afirmações sobre ele. Nosso acesso ao mundo é mediado por pressupostos que moldam o nosso olhar. Somente nos damos conta do erro por conta do contraste; e é possibilitar o contraste, por meio de pressupostos alternativos, a característica de um anarquismo epistemológico.


As contra-regras são assim denominadas exatamente porque são modos de proceder opostos as regras aceitas e até mesmo de teorias estabelecidas. Feyerabend explica as contra-regras mediante a condição de consistência, que é a exigência de que as hipóteses novas sejam consistentes com as teorias já aceitas. Entretanto, uma teoria não pode ser critério de validação de outra, pois a única diferença entre uma teoria aceita e uma teoria nova é a idade e familiaridade. Outro princípio utilizado pelos cientistas é o princípio da autonomia. Segundo este pressuposto, o conteúdo empírico de uma teoria está disponível independente das teorias alternativas; ou seja, considerar os fatos é mais importante e vantajoso do que as teorias alternativas. A crítica é que existem fatos que não são revelados com a teoria em questão, mas sim com o recurso a teorias alternativas.


Encontramos um exemplo efetivo das contra-regras no procedimento de Copérnico, que reacendeu a noção pitagórica do movimento da Terra; noção ridicularizada e jogada na lata de lixo. Outro exemplo é o da medicina tradicional chinesa, que foi subjugada pela ciência ocidental. Foi por meio de atitudes políticas que a medicina tradicional foi reincorporada na prática chinesa. Neste ponto, Feyerabend frisa que quando há partes da ciência que se tornam rígidas e intolerantes, a mudança vem de fora, como por meio da política, por exemplo. A volta da medicina tradicional na China mostrou que a medicina moderna não consegue abarcar todos os fenômenos, como se deseja. A individualidade, imaginação e cultura do indivíduo na sua relação com o mundo é essencial para a metodologia pluralista.

As interpretações naturais são processos mentais que ocorrem junto aos sentidos; são pressupostos a priori da ciência. Parece impossível separar as interpretações das impressões e quanto mais acostumados estamos com uma linguagem, conseguiremos expressar de maneira mais precisa este tipo de interpretação. A observação não é constituída somente de sensações, pois na medida em que percebemos as coisas, já interpretamos e enunciamos. Então, para analisarmos o conteúdo das interpretações naturais, precisamos de uma medida externa de comparação, pois de outro modo, não conseguimos sair da interpretação natural, e, por conseguinte, falaremos sempre a partir dela. É mediante as teorias refutadas pelas observações que descobrimos os “ingredientes ideológicos” do nosso conhecimento; logo, as teorias refutadas nos servem como medida externa de comparação.


Fale mais sobre isso...

FEYERABEND, P. 2006. A Conquista da Abundância. São Leopoldo: Unisinos.

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

Homenagem a Darwin

No meio do caminho tinha uma tartaruga
tinha uma tartaruga no meio do caminho
tinha uma tartaruga
no meio do caminho tinha uma tartaruga.
Nunca me esquecerei desse acontecimento
na vida de minhas retinas tão fatigadas.
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
tinha uma tartaruga
tinha uma tartaruga no meio do caminho
no meio do caminho tinha uma tartaruga.

segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Barrichello e o herói mundano

Vou abrir um pequeno espaço aqui para falar de um assunto que normalmente não é tratado no blog, mas que julgo ser digno de nota.
Ontem, dia 23 de agosto de 2009, um destes desvios do destino parece ter sido corrigido. Numa manhã de domingo, como tantas outras, Rubens Barrichello conquistou a centésima vitória de um piloto brasileiro na Formula-1. Uma honra mais do que merecida para alguém como ele. O piloto, que estreou no já distante ano de 1993, que teve colocada em seus ombros uma das maiores responsabilidades já vistas, a de levar adiante o “legado de Senna”, que se envolveu em episódios controversos como o da Áustria em 2002, teve seu pequeno momento de glória.
Não há como não se emocionar ao ver que todas as equipes, mesmo as rivais, aplaudiram Barrichello de pé ao chegar aos boxes. O experiente piloto parecia uma criança, pulando, dançando e beijando o pódio, numa vitória que já deveria ter vindo, mas demorou quase cinco anos para voltar a acontecer. Numa época em que pilotos são, com o perdão do trocadilho, fabricados pelas fábricas de automóveis, em que poucos que expressam sua opinião e personalidade, como da Matta, Montoya, Villeneuve e Bourdais (ironicamente, todos fora da F1) são rotulados como “chorões” e chutados para fora do circo, é com alegria que vejo um piloto que se emociona com uma vitória, que pula e chora.
Barrichello é alguém que não tem medo de mostrar que, por debaixo de um capacete, está um ser humano com falhas e virtudes, mas, principalmente, como uma verdadeira ilustração do pensamento de David Hume, um homem inundado de sentimentos e que tira destes toda sua motivação.
Ayrton Senna, o herói nacional, obteve três títulos, mas nunca foi meu ídolo. Barrichello o é. Talvez seja eu, talvez seja o fato de ter tido parte de minha infância e adolescência na década de 90. Porém, talvez, seja pelo fato de que acabou a era dos heróis supra-humanos, e agora se ergue o tempo daqueles que aceitam sua responsabilidade, que colocam a cara a tapa, que lutam e muitas vezes perdem. Um tempo daqueles que não tem condições de ser super-homens, mas que levam sua natureza humana ao limite de ser simplesmente humano, com tudo o que isso acarreta.
Tudo isso é o que Rubens Barrichello representa. Alguém que luta e, algumas vezes ganha e outras vezes perde. Um ser humano que nem sempre consegue cumprir suas promessas, mas está sempre disposto a lutar para cumpri-las. Barrichello é mais “homem comum” que outros ídolos e nos coloca, como num espelho, diante de nossas próprias fraquezas. Ayrton Senna não fazia isso, sua imagem era a de um super-homem perfeito e, convenhamos, não é difícil encantar-se com a perfeição, mesmo que apenas de aparência. No entanto, esse não é Barrichello, que, assim como os heróis de Allan Moore, tem suas fraquezas e limitações, seus dilemas morais e seus pecados, mas, ao mesmo tempo, aceitam o desafio de superar suas próprias falhas, mesmo que, por vezes, falhem.
Como dizia Marcelo Camelo, “olha lá, quem sempre quer vitória e perde a glória de chorar”. Felizmente, hoje as lágrimas foram de alegria. Que muitas outras venham.

terça-feira, 18 de agosto de 2009

Breve nota sobre o "eu" do ponto de vista naturalista

Terence Penelhum escreveu um artigo sobre psicologia moral de David Hume que, pelo menos até a página 123, faz uma leitura muito rica para a perspectiva dos escritos de Hume. Espero que o resto do texto também seja assim.

Penelhum, ao falar sobre o método empírico de Hume para o entendimento da natureza humana, coloca que Hume considera a idéia que temos de um “eu” (algo como um homenzinho dentro de nossa mente) não é nada mais do que várias percepções reunidas, uma espécie de teatro.

O “eu” interno de cada ser humano é, dessa forma, a nossa necessidade de lidar com diversas percepções ao mesmo tempo, e a partir disso surgem as diferenças, que variam de acordo com as os diferentes estímulos sociais e culturais.

Fazendo um paralelo com a arte, podemos notar que quando visitamos uma exposição, lemos um livro ou assitimo a um filme, prestamos mais atenção às nossas percepções, pois nos voltamos a elas. E isso gera maior próprio (de pessoa no mundo, em um contexto específico) e de nossa natureza (de características da espécie humana).
Fale mais sobre isso:

O texto está disponível no The Cambridge Companion to Hume, organizado por David Fate Norton.

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Kant sobre a faculdade estética, continuação.

Escrever sobre os textos de Kant é estranho, pois depois de um tempo, se releio o que escrevi, pouco entendo. Reproduzo então somente algumas partes...

O belo, como um objeto de uma complacência desinteressada, não pode se fundar em inclinações ou juízos lógicos. Desse modo, quem julga está numa condição de liberdade em relação à complacência dedicada ao objeto, sem manter nenhuma condição privada. Portanto, é natural que a pessoa acredite que possui razões para possuir uma pretensão de complacência universal. O belo será nas palavras desse sujeito uma qualidade do objeto, tendo o seu juízo uma pretensão de validade lógica. Porém, a universalidade de um juízo estético não é alcançada com conceitos. Para Kant, essa universalidade não se funda em objetos, mas somente no sujeito.

Quando digo que algo é belo, não pronuncio “é belo para mim”. Simplesmente digo “é belo”, com a pretensão de que todos compartilhem da mesma complacência. Nesse caso, fala-se da beleza como propriedade da coisa, e por isso ela tem valor objetivo. É por esse motivo que no juízo do belo não se pode dizer que cada um tem seu próprio gosto, como acontece quando falamos de coisas somente agradáveis. Ao contrário dos juízos sobre o agradável, que se remete somente a sensações, no juízo estético não basta sentimento, pois ele é também um juízo reflexivo. O juízo estético tem a pretensão de ser válido para todos, ou seja, é um juízo subjetivo que almeja ser público.

Essa universalidade pretendida não pode ser lógica, pois não se baseia em conceitos de objetos, ela é estética porque não contém nenhuma quantidade objetiva do juízo, possuindo apenas quantidade subjetiva, que Kant chama de validade comum. O belo não está inteiramente no objeto, por isso não é possível expressar toda beleza por meio de juízos. Dito isso, sabemos que não pode haver nenhuma regra que me faça reconhecer algo como belo, e basta que outras pessoas também reconheçam a beleza, não sendo necessário que elas utilizem conceitos e explicações racionais.


“A beleza é a forma da finalidade de um objeto enquanto percebida sem a representação de um fim. É o formalismo e a aparência, o esquema, não o fim verdadeiro como na acção que parece ser ordenada para, em vista de qualquer coisa, e que, de facto, é ordenada sem mais: é a maravilha inútil” (BAYER, 1978, p.203).

A complacência no agradável e no bom, apresentam, respectivamente, finalidade subjetiva e objetiva. O prazer não determina o juízo de gosto porque comporta interesse particular, e o bem não pode o determinar porque este juízo é estético e não um juízo do conhecimento (para Kant conhecemos o bem por meio da razão). O fundamento determinante do juízo de gosto só pode ser a conformidade a fins subjetiva, em uma representação de um objeto sem fim subjetivo ou objetivo, ou seja, a forma da conformidade a fins em alguma representação de um objeto dado é o que constitui a complacência que é julgada como comunicada universalmente sem conceito. Como exemplo prático podemos citar uma tulipa, que é constituída por conformidade a fins, entretanto, quando a ajuizamos e declaramos que é bela, não a referimos a nenhum fim.

A beleza livre não pressupõe nenhum conceito do que deva ser o objeto. Por exemplo, uma flor. Há nela uma finalidade natural, que, todavia, não é considerada quando julgada esteticamente. Se a flor é perfeita pouco importa, o que vale aqui é que ela apraz livremente e por si. Neste tipo de beleza julga-se simplesmente pela forma, podendo chamar, assim, o juízo de gosto como um juízo puro.

A beleza de um homem ou de uma casa pressupõe uma finalidade que determina o que devam ser, envolvendo então a idéia de perfeição. A beleza aderente é influenciada pela finalidade do objeto, prejudicando o juízo de gosto. Por mais que se tente disfarçar esse tipo de beleza, é impossível a desvincular da finalidade ou do conceito do objeto. Por estar ligado a conceito e finalidade este tipo de juízo não pode ser livre e puro, mas somente aderente e aplicado.

terça-feira, 11 de agosto de 2009

Kant sobre a faculdade estética


Já que o clima é de arte, vou postar, aos poucos, um trabalho que fiz sobre a Crítica da Faculdade do Juízo, de Kant, um exemplar do racionalismo que se aventurou dignamente pelas ideias empiristas. Conheço um pouquinho das três Críticas de Kant; essa eu achei bem interessante.

Breve introdução

Em sua terceira crítica, Kant analisa a faculdade do juízo estético, detendo-se primeiramente na crítica do belo e do sublime, para depois tratar da faculdade de juízo teleológica. O principal problema encontrado pelo autor será a relação de subjetividade e objetividade, assim como, o particular e universal quando se trata do belo. Portanto, Kant investigará a natureza da faculdade do juízo, ou seja, a partir do que julgamos algo, para depois pensar o porquê do julgamento, ou seja, a sua finalidade. É importante lembrar que esta não é uma crítica do juízo, mas sim, da faculdade do juízo; ou seja, não se investiga aqui o juízo racional e objetivo, mas somente a faculdade que tem o ser humano de julgar a beleza de algo. Kant define o belo em quatro momentos, a saber: segundo a qualidade, quantidade, finalidade e modalidade.

Complacência e desinteresse

Segundo Kant, o fundamento do juízo estético é somente subjetivo, pois parte do sentimento de prazer e desprazer. Quem sente é o sujeito que contempla o objeto. Porém, o juízo proferido é lógico, pois refere-se ao objeto. Por exemplo, quando digo que esta rosa é bela, estou partindo de uma sensação subjetiva, mas profiro algo objetivo sobre a rosa, a saber, que ela é bela.

Para determinar se algo é belo, não é necessário saber sobre a existência do objeto, mas somente como o ajuizamos em sua contemplação. Quer-se saber se a representação de determinado objeto é acompanhada em mim de complacência. A complacência pode ser entendida como uma espécie de empatia ou uma receptividade do gosto que é comunitária.

O juízo de gosto não pode, para Kant, estar ligado ao interesse – se há um mínimo interesse, não pode ser um juízo puro. O próprio Kant alerta para o fato de que o juízo não pode estar ligado a interesses para ser puro, porém pode ser muito interessante, produzindo interesse.

O agradável está ligado ao interesse porque ele suscita o deleite. Não somente aprovamos o que agrada, mas buscamos nele o gozo, sendo assim, uma fonte de inclinações. O agrado está assentado somente nas sensações subjetivas, por exemplo, o agrado ao observar uma flor. A complacência no bom também está ligada a interesses. O “bom para” e o “bom em si” estão ligados a alguma utilidade, tendo o primeiro utilidade como meio para um fim e o segundo como fim em si. Portanto, é necessária uma complacência com a existência dos objetos com essas denominações, ou seja, um interesse por sua finalidade.

Podemos notar que para designar algo como bom é preciso saber a sua finalidade. Nas palavras de Kant “preciso saber sempre que tipo de coisa o objeto deva ser, isto é, ter um conceito do mesmo” (KANT, 2005, p.52). Já com a beleza é diferente: quando denomino algo belo não estou interessado em seu fim ou existência. A complacência no belo exige reflexão e leva a conceitos, porém nunca os determinando. A principal diferença entre a complacência no agradável, no belo e no bom é a seguinte: “Agradável chama-se para alguém aquilo que o deleita; belo, aquilo que meramente o apraz; bom, aquilo que é estimado, aprovado, isto é, onde é posto por ele um valor objetivo” (KANT, 2005, p.54). Pode-se afirmar, portanto, que a única complacência livre e desinteressada é a que acontece no belo, pois nela não há interesse ligado aos sentidos ou à razão.

Pela investigação segundo a qualidade do juízo de gosto, Kant o explica como faculdade de ajuizamento de um objeto mediante complacência – quando denomina-se algo belo -, ou descomplacência – quando o objeto é julgado como feio. De qualquer forma, o juízo de gosto está desvinculado de qualquer interesse.


Fale mais sobre isso...

BAYER, Raymond. História da Estética. Lisboa: Estampa, 1979.

JIMENEZ, Marc. O que é estética?. São Leopoldo: UNISINOS, 1999.

KANT, Immanuel. Crítica da Faculdade do Juízo. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2005.

segunda-feira, 10 de agosto de 2009

Um poeminha do Mario Quintana, para começar bem a semana.
Recordo Ainda (Mario Quintana)

Recordo ainda...E nada mais me importa...
Aqueles dias de uma luz tão mansa
Que me deixavam, sempre de lembrança,
Algum brinquedo novo à minha porta...

Mas veio um vento de Desesperança
Soprando cinzas pela noite morta!
E eu pendurei na galharia torta
Todos os meus brinquedos de criança...

Estrada afora após segui... Mas ai,
Embora idade e senso eu aparente,
Não vos iluda o velho que aqui vai:

Eu quero meus brinquedos novamente!
Sou um pobre menino... acreditai...
Que envelheceu, um dia, de repente...

quinta-feira, 30 de julho de 2009

Parabéns Mário!


Da Felicidade

"Quantas vezes a gente, em busca da ventura,
procede tal e qual o avozinho infeliz:
Em vão, por toda parte, os óculos procura,
Tendo-os na ponta do nariz"

Quantas vezes já te pegaste pensando, será que sou feliz? Parece que sempre tem alguma coisa errada, algo que dê motivo de reclamação, algo que falta para agarrarmos de vez a felicidade. Quanto mais tempo dedicamos a formular a receita perfeita, mais nos afastamos da experiência que a possibilita. Afinal, o raciocínio estimula a alma, mas não a toca. Seria algo do tipo "do que não se pode falar, deve-se calar", pensando na própria felicidade como impossível de ser dita, formulada e pensada. A felicidade é vivida, lembrada, mostrada.

Amanhã serei mais feliz. Será? Para isso, viva o hoje. Valorize o que há em seu entorno e as lembranças de outrora, dos tempos de infância, das matraquices adolescentes. Quero um amanhã belo, assim como o é o presente. Preservar é uma palavra tão bonita, pois é preciso notar o que gostamos para podermos o preservar; do mesmo modo, o que nos faz mal de nada adianta preservar. E aí vem outra palavra mágica: mudança.

Preservar o que nos faz bem, mudar o que não está legal. Mas afinal, nem tudo é possível ou bom perpetuar; é difícil repetir momentos, por isso viver o instante é preservar a felicidade dentro de si. É deixá-la ir e voltar, na simplicidade do cotidiano, na leveza de se ver no mundo. Devemos, portanto, preservar a mudança.

Adoro os poeminhas do Quintana, mais do que dos poemãos. Vai mais um então, pequeninho só
de tamanho, não de reflexão:

Das idéias

Qualquer idéia que te agrade,
Por isso mesmo é tua,
O autor nada mais fez do que vestir a verdade
Que dentro em ti se achava inteiramente nua...

Aos meus poucos leitores, meu único comentador e sei lá quantos espiões, deixo o convite de compartilhar aqui e onde mais achar abrigo, algum poema do Quintana, em homenagem aos seus 103 anos.

terça-feira, 28 de julho de 2009

Edgar Allan Poe e a Filosofia da Composição



O poema O Corvo, de Edgar Allan Poe, conta a história de um homem que, em determinada hora da madrugada, recebe a visita de um corvo. Este acaba sendo o catalisador para que todas as angústias, entre elas, a perda da mulher amada, venham à tona. O que acaba seguindo é uma desconcertante busca por respostas, uma reflexão sobre a morte e a fragilidade da vida. No presente texto, entretanto, não me debruçarei sobre divagações ou qualquer outro tipo de delírio do espírito que o poema possa provocar. Ao contrário, procurarei falar do que, ao meu ver, é onde está a verdadeira genialidade de Allan Poe, que é a composição do poema.

Em sua obra A Filosofia da Composição, Allan Poe faz uma forte crítica ao “artista”, ou melhor, àqueles que acreditam que toda obra de arte é algo visceral, que não necessita de refinamento, ou ainda, que deve ser fruto, única e exclusivamente, de uma inspiração criadora de natureza quase mística. Sobre a composição do poema, o autor diz que é meu desígnio tornar manifesto que nenhum ponto de sua composição se refere ao acaso ou à intuição, que o trabalho caminhou, passo a passo, até completar-se, com a precisão e a seqüência rígida de um problema matemático.

Contra esses pretensos “artistas”, Allan Poe dá uma verdadeira aula de composição, uma demonstração de que toda abra de arte com qualidade necessita de trabalho e dedicação, e nenhum poema, ou poeta, que tenha a pretensão de ser imortal se auto-realizará da noite para o dia.

Primeiramente, segundo Allan Poe, deve-se ter um cuidado com relação a extensão do poema. Ele diz que a extensão jamais deverá interferir na unidade do poema e que este deve, obrigatoriamente, elevar o espírito do leitor. Para isso, deve-se levar em consideração que todas as emoções intensas são, no ser humano, breves, posto que o nosso aparelho psíquico não suporta emoções de grande intensidade por muito tempo. Portanto, para emocionar, o poema deve ser breve, pois, além de não sobrecarregar o leitor, ele também mantém sua unidade e totalidade.

Em sua teoria estética, o autor diz que o prazer mais intenso e puro só pode ser encontrado ao contemplarmos o belo e, portanto, este tem que ser o efeito produzido pelo poema. A inovação de Allan Poe está em colocar a beleza como um efeito, e não como uma qualidade. Isso faz com que ela não mais se refira a inteligência, mas ao sentimento como algo refinado . Para ele, a Beleza é a única província divina do poema, posto que é uma regra da arte os efeitos devem derivar de causas diretas e os objetivos, alcançados pelos meios mais adaptados. A verdade, por sua vez, necessita de uma precisão e a paixão de uma certa familiaridade, entretanto, a beleza configura-se como a elevação agradável do espírito. Allan Poe ainda diz que a verdade e a paixão devem ser harmonizadas em submissão à beleza, visto que ela é a essência e a atmosfera do poema.

O terceiro aspecto a ser levado em consideração na construção de um poema é o seu tom. Toda beleza, de qualq
uer espécie, provoca, numa pessoa sensível, alguma reação. A experiência, por sua vez, nos mostra que o sentimento de tristeza tende a provocar lágrimas. Para o autor a melancolia é... o mais legítimo de todos os tons poéticos, isso, aliado ao fato de que, para ele, a forma mais bela de tristeza é a melancolia, nos dá o tom que o poema deverá ter para emocionar o seu leitor.

O quarto ponto a ser trabalhado é também um dos mais essenciais, é a definição do eixo do poema. Este deve servir c
omo o ponto chave da poesia, onde toda a estrutura deve girar. O refrão é o mais empregado e comum eixo da poesia e, segundo Allan Poe, não há motivo para não usá-lo. Uma vez definido que o eixo do poema será o refrão, é preciso definir sua natureza. Todo bom refrão depende, tanto na idéia quanto na sonoridade, da força da monotonia para causar uma impressão marcante. A força dessa monotonia encontra-se nas sutilezas. Allan Poe acredita que essa força está em manter o estribilho, mas sempre buscando uma variação na idéia. Segundo ele, em proporção à brevidade da sentença estaria, naturalmente, a facilidade da variação. Isso, imediatamente me levou a uma só palavra como o melhor refrão.
Allan Poe ainda diz que essa palavra deve ser sonora e suscetível de uma ênfase prolongada para manter sua força. Na língua inglesa a letra “o” é considerada a vogal mais sonora e a consoante “r” pode ser aproveitada de diversas maneiras. Isso tudo nos leva a palavra “nervermore” como o refrão ideal. Uma vez definida a natureza do refrão é preciso encontrar um pretexto para que ele seja repetido diversas vezes. Perceba-se que a principal dificuldade é a de conciliar a monotonia da repetição com o exercício da razão. A solução encontrada pelo autor é a de utilizar uma criatura não racional. É interessante notar como “never” (nunca), quando escrita ao contrário, lembra “raven” (corvo), isso, somado ao fato da palavra “nevermore” lembrar o grasno de um corvo, nos dá o corvo como o animal que deveria proferir o refrão, visto que ele também estava em harmonia com o tom que Allan Poe queria dar ao poema.


O quinto elemento a ser trabalhado diz respeito ao tema que a poesia deverá versar. O tema mais melancólico, segundo o autor, é a morte. Ele diz que ela encontra-se ainda mais aliada com a beleza e a melancolia quando é retratada como a morte de uma bela mulher e, a forma mais poética de falar de uma morte dessa natureza é através da boca do amante que ficou despojado deste amor.




O local onde a história do poema deverá se passar também deve ser levada em consideração, pois é fundamental para que se mantenha o tom sombrio e melancólico previamente pretendido. O local mais apropriado para se ajustar a este tom é o quarto do amante, posto que é um local sagrado pela recordação da amante que o freqüentara. É interessante notar que, no poema, o quarto aparece ricamente mobiliado, fazendo uma alusão a Beleza como a única e verdadeira tese poética. Note-se, também, que o corvo, entrando pela janela do quarto, da um tom casual, conferindo um certo realismo ao poema. A “noite tempestuosa” também fornece o motivo para o qual o corvo entrasse no quarto, ainda contrastando-se com a serenidade que reinava anteriormente no mesmo. Esse contraste dá ao poema, através do realismo, um ar fantástico, que se aproxima do caricato, sendo um dos pontos de originalidade do poema.

Uma vez definida a composição do poema, o autor parte para o estudo de sua montagem. Partindo da variação do poema, Allan Poe diz que a primeira pergunta feita pelo amante ao corvo deve ser simples, sendo que a pergunta subseqüente deve ser menos comum, continuando assim no decorrer das perguntas. Sobre isso, Allan Poe diz que:

[...] o amante, arrancado de sua displicência primitiva pelo caráter melancólico da própria palavra, pela sua freqüente repetição e pela consideração da sinistra reputação da ave que a pronunciava, fosse afinal excitado à superstição e loucamente fizesse perguntas cuja resposta lhe interessavam apaixonadamente ao coração, fazendo-as num misto de superstição e daquela espécie de desespero que se deleita na própria tortura ... Não porque acredita no tom profético ou demoníaco da ave ... Mas porque experimentaria um frenético prazer em organizar suas perguntas para receber do esperado “nevermore” a mais deliciosa, porque a mais intolerável, das tristezas.

O último ponto a ser pensado é em relação a ordem de escrita do poema. Segundo o autor a primeira estrofe a ser escrita é a última, pois, após escrever a estrofe derradeira, onde dar-se-á o clímax do poema, é possível delinear a estrutura das demais estrofes. Allan Poe defende o fato de que o poema deve começar a ser escrito pelo fim, pois caso uma estrofe escrita posteriormente venha a ultrapassar a densidade da última parte do poema, é possível enfraquecê-la propositalmente, como o intuito de que ela não de sobressaia a parte principal e final da poesia.

Concluindo, poderia dizer que há, no poema, uma certa soma de sugestividade, embora indefinida, de sentido. Ao meu ver, este é o ponto que dá maior riqueza ao poema, pois essa sugestividade penetra em toda a narrativa que a precede, havendo uma passagem do realismo para o simbolismo. Isso faz com que o leitor, ao ler a poesia, entre em contato consigo mesmo, pois consegue se inserir dentro do poema, fazendo, das experiências da personagem, suas próprias vivências.

domingo, 26 de julho de 2009

Coleccion Vecinal




Os moradores do bairro onda a Galeria Metropolitana está localizada, em Santiago do Chile, não a visitavam, eram apenas passantes despercebidos. De fato, isso acontece em quase todas galerias de arte, onde a proximidade acaba por ser somente geográfica.
Como mudar essa realidade? As pessoas apreciam, compram e fazem arte, mas mantém distância do que é exposto como tal. A ideia de Gonzalo Pedraza foi a seguinte: ir de casa em casa e pedir a cada morador alguma obra exposta em sua casa, qualquer uma. Foram reunidas 280 obras, organizadas com inspiração na Árvore da Vida de Darwin, ou seja, na classificação por semelhança. Assim, três categorias foram criadas: retratos, natureza morte e paisagens.

O interessante é que, no dia da inauguração todos foram conferir o resultado, admirar a obra que têm em sua casa expostas em uma galeria. Essa ideia de aproximação e apropriação artística é super prática e tentadora. Por que não fazer o mesmo nas escolas ou empresas? Essa é uma experiência de aproximação da arte e valorização de si muito importante. E, de quebra, nos leva a conhecer os interesses artísticos dos vizinhos, colegas, amigos...

A Colección Vecinal tem curadoria de Gonzalo Pedraza, que por ocasião de 7ª Bienal do Mercosul irá aplicar o projeto em Caxias do Sul.

Fale mais sobre isso:

http://www.galeriametropolitana.org/

domingo, 19 de julho de 2009

Iberê, vim te vê!


“Sou um andante. Carrego comigo o fardo do meu passado. Minha bagagem são os meus sonhos. Como meus ciclistas, cruzo desertos e busco horizontes que recuam e se apagam nas brumas da incerteza.” Iberê Camargo

A primeira vez na sede da Fundação Iberê Camargo deixa um gosto de quero mais, de que o retorno não tarde a chegar. Ali o visitante se depara com obras de Iberê, constantemente renovadas nas exposições; com obras de outros artistas contemporâneos, além do próprio prédio, assinado por Álvaro Sizo, uma espiral de muitas janelas.

Janelas que deixam a luz de fora iluminar quase todo interior. O convite é irresistível: adentrar na obra de Sizo, conhecer Iberê e descobrir novos olhares para o velho Guaíba. Cada olhar forma uma nova obra.

Vale a pena conferir as pinceladas de Iberê e assistir ao vídeo (um pedacinho aqui) que mostra seu processo de trabalho. Por fugir do padrão comum e desvelar particularidades, fica o gostinho de que a muito ainda o que experimentar ali.


Deu uma vontade de andar de bicicleta...

Até dia 30 de agosto é possível assistir ao filme-instalação Dédale, de Pierre Coulibeuf, que apresenta o universo de Iberê com inspiração na mitologia Grega, trazendo Ariadne e Teseu para o labirinto de Minotauro, representando aqui o prédio da Fundação. São filmes e fotografias em que os personagens interagem com Porto Alegre, o prédio e as obras.

Quer mais? É de graça.


Fale mais sobre isso...

Site da Fundação Iberê Camargo: http://www.iberecamargo.org.br/

Dédale: http://bravonline.abril.com.br/conteudo/multimidia/filme-dedole-482163.shtml

quinta-feira, 16 de julho de 2009

Perspectivas sobre a organização do ensino pelo professor

“o professor, ou professora, é uma pessoa que deseja esta responsabilidade de criar um espaço de convivência, este domínio de aceitação recíproca que se configura no momento em que surge o professor em relação com seus alunos, e se produz uma dinâmica na qual vão mudando juntos.”

Humberto Maturana

Quando observamos ou imaginamos uma sala de aula, concebemos como figuras fundamentais professor e aluno. E, permeando a relação destes, temos os conteúdos práticos e teóricos. Basta fecharmos os olhos e lembrarmo-nos do nosso tempo de escola que veremos a boa e velha sala de aula, com suas classes, quadro negro, cadernos e livros. Lá na frente o professor, responsável por fazer desses objetos algo significativo na vida dos alunos. Ao menos é essa visão que tenho quando lembro de meus tempos de aluna de Ensino Fundamental e Médio. Hoje, cursando estudos universitários, sinto que os objetos permanecem os mesmos, mas espera-se mais compromisso e interesse por parte dos alunos, devido ao fato da escolha pelo curso e por esse tipo de estudo.

A relação professor-aluno é aspecto fundamental para a aprendizagem, pois como protagonistas do processo de aprendizagem, e como seres humanos, motivados por sentimentos e sociabilidade, a relação que estabelecem decide o interesse dos alunos pela aula, ou seja, pela sua própria experiência de aprendizagem. Que o aspecto afetivo é importante para essa relação, sabemos desde que entramos na escola, quando o professor preferido era aquele que nos fazia sentir-nos seguros e nos encorajava a lidar com os variados problemas com que um aluno se depara na escola; enfim, aquele professor que nos fazia sentir bem.

Entretanto, a afetividade não é o único laço da relação professor-aluno. Cunha (1998) coloca que o posicionamento do professor em relação à sua área de conhecimento, bem como à sua prática, é decisivo ao modo que os alunos o percebem. Ou seja, os alunos podem até gostar do professor que é apenas “bonzinho”, mas admiram como um bom professor aquele que estimula o pensamento, é aberto a indagações e deixa transparecer o gosto que tem pelo que trabalha, valorizando assim os alunos e o seu trabalho.

Outro aspecto que permeia a relação professor-aluno é o da ideologia dominante na sociedade e na escola. A escola, como instituição social, é determinada pela visão social que se tem dela. Sua função, de que classe social vem seus alunos, a importância do professor dentro dela e outros fatores modelam o modo como a escola funciona. O professor, dentro de determinada escola, de determinada área de conhecimento e de determinado compromisso social, muitas vezes, foca-se em um aspecto, enquanto, na realidade, todos constituem sua prática. Por fim, Cunha ressalta que é importante o professor ter sempre em mente a sua trajetória de vida, o que contextualiza sua pessoa. A prática do professor não é algo que pode ser separado do resto de suas experiências; elas constituem sua postura e prática.

Os três aspectos que Cunha coloca como principais norteadores da relação professor-aluno definem o planejamento de aula — e, por que não, a opção ou não de realizá-lo. O planejamento não é, portanto, nem acabado, nem neutro. Nesse sentido, Lopes (1990) afirma que a partir da noção de que o professor não é neutro na sua prática, ou seja, quando aceita que suas ações têm determinadas conseqüências sociais, sua prática pode voltar-se para envolvimento e mudanças. Quando isso acontece, o aluno percebe um professor que não é indiferente, e aquela sala de aula passa a significar algo na vida dos que a utilizam. David Hume, no séc. XVII, a partir da observação dos costumes humanos, já frisava a importância do sentimento para a motivação. Afirma ele que um mesmo evento, descrito de diferentes formas, provocam distintos resultados. Se os fatos são descritos friamente, convencem em veracidade, mas não despertam a paixão. Já, quando descritos com figuras e emoção, provocam simpatia (no sentido de sincronia de sentimentos) em cada coração humano.

Acredito que o professor desenvolve a sua relação com os alunos na medida em que a vivencia, mas ter noção da realidade social e escolar e do que o constitui como ser humano e como profissional otimizam essa experiência. Vale aqui o que Larrosa fala sobre a experiência:

A experiência, a possibilidade de que algo nos aconteça ou nos toque, requer um gesto de interrupção, um gesto que é quase impossível nos tempos que correm: requer parar para escutar, pensar mais devagar [...] suspender a opinião, suspender o juízo, suspender a vontade, suspender o automatismo da ação (2002, p. 24)

Mas, afinal, porque falo da relação professor-aluno em um texto cujo título remete à organização do ensino? A relação que professor e aluno estabelecem é definida pelos aspectos apresentados, mas define, por sua vez, o formato que as aulas tomarão. Pois não é somente o sujeito professor que define uma aula, mas também os alunos, que mudam a cada turma e a cada ano — e durante o ano. A organização do ensino se faz, portanto, sob múltiplos circunstâncias, entre elas, a relação professor-aluno.

O professor, como coloquei no início do texto, é peça fundamental da educação escolar. No entanto, transformá-lo (ou transformar-se) em um superman é um erro comum, pois ele é parte e não totalidade do processo. É importante idealizar e buscar mudanças efetivas, assim como, fazer alguma diferença no mundo. Mas pegar toda a responsabilidade para si é ingenuidade. O professor se enfraquece e desanima; seus ideais de início de carreira são esquecidos. Por isso os autores que estudamos ao longo de uma licenciatura insistem nos aspectos sociais, institucionais, legislativos e teóricos da Educação. Eles estão aí para organizar a sociedade, e, se a pessoa souber usá-los, começa a mudar o fluxo da corrente.


Fale mais sobre isso!

CUNHA, Maria Isabel da. 1998. A relação professor-aluno. In: Repensando a didática. 11. Ed. – Campinas, SP: Papirus.

HUME, David. 2004. Investigações sobre o entendimento humano e sobre os princípios da moral. São Paulo: UNESP.

LARROSA, Jorge. 2002. Notas sobre a experiência e o saber de experiência. In: Revista Brasileira de Educação.

LOPES, Antonia Osima.1990. Planejamento do ensino numa perspectiva crítica de educação. In: Repensando a didática. 4. Ed. – Campinas, SP: Papirus.

terça-feira, 7 de julho de 2009

Alguns comentários acerca da dificuldade de formalizar aspectos da linguagem informal

Desde a sistematização da lógica por Aristóteles até a sua reformulação pelos matemáticos no séc. XX, ela é usada como um instrumento que clarifica argumentos. Um dos âmbitos da lógica é, justamente, analisar argumentos conforme as regras lógicas, na busca por uma linguagem mais precisa. Nesse sentido, a formalização de argumentos da linguagem natural permite a análise de longas cadeias argumentativas, em que inferências não-válidas podem passar despercebidas.

Mas a formalização tem seus limites. Nesses encontram-se, por exemplo, o problema de como lidar com o tempo verbal ou a vaguidade da linguagem informal. As reações aos problemas da formalização de determinados aspectos da linguagem informal são diversas. Susan Haack, em Filosofias das lógicas, enumera sete, a saber:

  1. Delimitação do problema da lógica: os aspectos da linguagem informal que não se aplicam à lógica clássica são excluídos; não são levados em conta na formalização.
  2. Paráfrase nova: adequação da linguagem informal à linguagem formal (ajusta-se a sentença para que possa ser formalizada, mantendo-se, desse modo, o aparato clássico).
  3. Inovação semântica: o aparato clássico ainda é mantido, porém, modifica-se a interpretação dos símbolos.
  4. Lógica ampliada: introdução de novos símbolos.
  5. Lógica restrita (ou lógicas alternativas): mudança e/ou introdução de novos axiomas, por exemplo.
  6. Contestação dos metaconceitos clássicos: inovação no nível dos conceitos metalógicos, por exemplo, o conceito de verdade.
  7. Revisão do âmbito da lógica: proposta de mudança do papel da lógica. Os intuicionistas, por exemplo, consideram a lógica como secundária à matemática, dependente dela.

Para o problema do tempo verbal, Haack descreve a proposta de Quine (inovação semântica) e a de Prior (lógica ampliada). Já para lidar com a vaguidade da linguagem, apresenta a lógica difusa de Zadeh, cuja proposta acarreta na revisão do âmbito da lógica. Para todas as propostas, Haack coloca suas críticas, principalmente para a lógica difusa de Zadeh, em que os ganhos por aceitá-la são duvidosos.

Ao que me parece, as tentativas de Quine e Prior são úteis quando a formalização do tempo verbal é realmente necessária para a análise de um argumento. Já Zadeh trabalha com graus de propriedades e de verdade, mas não dispensa a necessidade de precisão de que grau exatamente se fala, o que demanda muito trabalho de definições; a lógica deixa de ser um instrumento de clarificação. Parece que Zadeh quer alcançar racionalmente os aspectos não racionais da linguagem informal. Esta não é só razão, pois contém antecipações e reduções por parte dos ouvintes e falantes. Justamente por ser uma manifestação humana, não pode ser inteiramente formalizada.

Fale mais sobre isso:

HAACK, S. Filosofia das lógicas. São Paulo: UNESP, 2002.